quarta-feira, 20 de março de 2013

Down and down we go

Cheguei na clínica às 13h pra visitar minha mãe. Disseram que ela estava contida para não caminhar na chuva, perigosíssimo pra escorregar e cair. Ok.
Desço e encontro minha mãe presa em sua cama, sentadinha lá, sozinha. De pijama. Com uma blusa de manga curta nesse frio. E uma regata pingada de comida por cima. Com a fralda totalmente encharcada. Um completo desmazelo. A mais absoluta negligência. Na hora fiquei tão mal, tão chocada, tão arrasada, que nem reagi. Fiquei lá sentada com ela, ouvindo-a falar. E ela me falou dos machucados no antebraço esquerdo, que ainda está inchado e infeccionado. E me mostrou um hematoma no pé direito.
Antes de ir embora, falei com a gerente da clínica, reclamei do estado de minha mãe. E voltei pra casa chorando no carro. No mais absoluto desespero e desconsolo.
Eu e minha irmã visitamos nove clínicas, só gostamos de uma - que não tinha vaga (e é caríssima). Essa foi a segunda opção, selecionada unicamente por ser a menos ruim. Do que eu gostei lá? Não tinha cheiro de xixi, e os idosos estavam todos arrumados. Todos estão sempre arrumados. Menos minha mãe. Minha mãe parece paciente de hospital psiquiátrico.
Cheguei em casa, liguei pra gerente da clínica depois de me acalmar e parar de chorar. Reclamei longa e calmamente. Ela concordou comigo, e disse que minha mãe já estava arrumada àquela altura.
Aí fui procurar outras clínicas para visitar na sexta-feira.
E depois fui à clínica de novo. Conversei ao vivo, longa e calmamente, com a gerente e a dona (que vi pela primeira vez). Repassei mais uma vez a enorme lista de episódios desagradáveis e dolorosos, que consistem basicamente em eu sempre encontrar minha mãe em desmazelo - sem banho, de pijama, mal vestida, desgrenhada. E dessa vez amarrada na cama e urinada no começo da tarde.
Entendo que minha mãe precise ficar contida. Ela anda de um lado pro outro, hoje não dá, o chão está escorregadio. Mas não pode ser contida no quarto, sozinha. (A contenção é feita numa poltrona na sala, onde ao menos tem a movimentação dos outros idosos.) E muito menos sem ter tomado banho, sem ter tirado a fralda molhada - até porque desse jeito ela acaba com infecção urinária.
Avisei que pretendo remover minha mãe de lá nesse final de semana. Preciso deixá-la em um local onde ela seja tratada com um mínimo de afeto, ou ao menos de consideração. Meus gatos me pareceram muitíssimo mais bem tratados do que ela quando deparei com a cena dantesca de hoje. Não é só pelo bem-estar de minha mãe. É pelo meu. Pela minha sanidade mental e emocional. Só eu sei o que me dói e o que tem me custado fazer tudo que tive que fazer. Tirar minha mãe de sua casa me causa sofrimento permanente. A única coisa que pode me ajudar a lidar com isso é saber que ela está bem cuidada e que é bem tratada.
Minha mãe ficou feliz nas duas vezes em que estive com ela hoje. Vi no olhar dela, que se iluminou ao me ver. Fiquei olhando os olhos dela hoje, buscando vestígios de lucidez, de reconhecimento. Ela me reconhece de alguma forma. Mas conversei com o médico, e ele confirmou minha suspeita: ela provavelmente já não sabe mais quem sou eu exatamente. Ela só sabe que sou alguém próximo. Lúcia, Laura, Lízia. Todas juntas, misturadas. Ela ainda fica feliz com as visitas. Seja quem for que a visite. Na mente devastada de minha mãe, passado, presente, realidade e fantasia são uma coisa só, a realidade dela é uma vertigem caleidoscópica (afff, que chavão, mas é bem isso). As coisas que passam velozes pela mente dela são como peças de um quebra-cabeça que vão se encaixando fora do lugar certo, não formam uma imagem coerente.
Em uma de nossas conversas, Rotta me disse que, de início, minha mãe ficaria feliz com as visitas na clínica - é a fase atual. Mas vai chegar um dia em que não fará mais a menor diferença para ela. E mais adiante eu irei lá apenas para ver se ela está limpa e nutrida. Por isso eu preciso tanto fazer desse estágio da internação e dessas visitas uma coisa boa. Para mim e para ela. Porque o tempo está se escoando cada vez mais rápido. Acabando. Como as memórias de minha mãe. Mas eu preciso desesperadamente coletar algumas memórias decentes desses dias. Para me justificar, me consolar, me apaziguar. E me conformar.

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