terça-feira, 12 de abril de 2016

20 anos depois

Em novembro fará vinte anos que comecei a trabalhar como tradutora. Na semana passada, percebi que traduzir está cada vez mais difícil. Inicialmente, deduzi que estivesse relacionado ao quanto esta atividade exige em termos de tempo e dedicação e ao pouco retorno financeiro que me proporciona. Eu não estaria vendo compensação em trabalhar tanto e ganhar tão pouco, e isso estaria me desestimulando.
Hoje a percepção aprofundou-se e vi que minha insatisfação tem outro motivo. Estou insatisfeita devido à forma como trabalho. Não suporto mais minha desorganização, meus atrasos, minha dispersão. Um padrão cristalizado ao longo de vinte anos trabalhando basicamente em casa.
Padrão.
Ontem traduzi um trecho de um livro budista (que está atrasadíssimo) falando sobre padrões. O autor comenta que os padrões são conjuntos de pensamentos, sentimentos e sensações físicas que vemos como reais - mas não são. Meu padrão de trabalho como tradutora tem graves distorções. Para eliminá-las, tenho que seguir o conselho dado pelo autor budista: primeiro acolher o padrão com gentileza em vez de tentar eliminá-lo na marra. Ver que ele é real, mas não verdadeiro. E então começar o processo de dissolução gradual.
Hoje minha namorada postou no Instagram: "Uma meta sem um plano é somente um desejo". Traduzi essa frase há pouco tempo, no livro de Napoleon Hill em que estou trabalhando (e estou muito atrasada).
Também hoje, um de meus editores ligou para elogiar uma tradução. Recentemente, ele havia achado um de meus trabalhos ruim e pedido para que eu revisasse. Era um livro que eu também havia achado ruim - o original era ruim, e minha tradução ficou de acordo. Ao reler, fiz várias alterações - muito mais do que o editor imaginava que eu fosse fazer -, editei o texto, e o resultado ficou muito melhor. O livro ficou bem bom de ler.
Bem, hoje ele ligou para elogiar o outro livro. E comentou que esta sim era uma tradução de Lúcia Brito - agradável, fluida. E é mesmo. A tradução ficou ótima porque o original ajudou. E porque este foi um trabalho feito após a morte de minha mãe, encerrado um período de extrema pressão.
E agora?
Agora estou apta a começar a transformar um desejo em uma meta, em um objetivo definido de vida, como diz Napoleon Hill. Vamos à elaboração de um plano de ação para traduzir mais e melhor, para organizar a vida prática e aproveitar ao máximo as vantagens de trabalhar em casa e  reduzir ao mínimo as desvantagens.
Tenho a felicidade de poder contar a ajuda do universo, manifestada por meio de livros inspiradores, da irmã, da amiga e da namorada que me incentivam, aconselham e repreendem. E de minha terapeuta, que está me conduzindo no processo de sair do cercadinho e de aprender a ser independente e, agora, administrar a liberdade.


3 comentários:

  1. Estou lendo Sonhos de Bunker Hill do John Fante, e fiquei intrigado: mas quem é essa tal de Lúcia Brito? "Que tradução fantástica! Como pode? Não é possível..." E eis que você existe de verdade.

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    1. Eis que eu existo e eis que você me causou uma imensa alegria com suas palavras! Como é bom saber que alguém curte meu trabalho. Tentei encontrar outra forma de agradecer, mas aquele Google+ não serve pra isso, ou não sei usar. espero que você leia aqui.
      Muito, muito obrigada! Você fez meu dia!

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  2. Caboclo geralmente não se liga que quando está lendo um livro em português de um autor estrangeiro, é porque alguém o traduziu; não foi o autor que escreveu bem daquele jeito. E isto muda tudo!

    Já me deparei com tanta tradução "at the foot of letter" que quando aparece uma onde a leitura é tão suave e fluida que nem parece que é tradução, tem que comemorar.

    Obrigado mesmo!

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