quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O semeador de palavras

Chovia. O sol radiante da manhã perdera o brilho para as nuvens no começo da tarde. Por volta das 16 horas, o calor agradável se transformara em um bafo opressivo. E agora o chuvisco tímido das 18 horas havia engrossado em chuva caudalosa. Eduardo desceu do carro de aplicativo e correu escada acima para dentro no prédio da faculdade de arquitetura.
Chegou dez minutos atrasado para a primeira aula do curso de escrita criativa. Entrou de mansinho na sala e se acomodou numa cadeira perto da porta. Cabelo e roupas respingados. Os All Star molhados. Os olhos azuis tímidos deram uma rápida sondada no resto da turma. Pouca gente naquele enclave das humanas no território das exatas. Nove com ele, quatro mulheres, cinco homens, espalhados em um semicírculo irregular na sala mal-ajambrada, três paredes ocupadas por estantes repletas de maquetes, na outra o quadro.
Enquanto o professor lia um informativo enfadonho sobre o curso, Eduardo catou o bloco e o estojo na mochila. A chuva martelava o concreto e o metal do lado de fora. Os alunos começaram a se apresentar. Três do jornalismo, um da filosofia, uma do direito, três das letras. E ele.
“Estudo agronomia”, disse Eduardo. “Gostava de escrever no ensino médio. Só escrevia por obrigação, mas gostava. Aí, fiquei sabendo desse curso e resolvi me inscrever. Não é pra publicar nem nada. Só pra escrever mesmo.”
“Vai semear palavras aqui”, brincou o professor.
 
O anoitecer trouxe uma brisa discreta e uma temperatura sensata depois de um dia de calor indecente. A lua cheia surgia escandalosa de dentro do mar, rasgado por uma faixa prateada. De dentro do carro, Eduardo observava calado a paisagem deslizante. Pediu para o motorista desligar o ar e abrir os vidros. Assim rodaram por mais vinte minutos.
“Chegamos”, anunciou o motorista. “Vou estacionar aqui perto. Me avise quando quiser que venha buscá-lo.”
Eduardo agradeceu e desembarcou. Pela porta larga e pelas vitrines enormes, observou por um instante a livraria cheia.
“Chegou ele!” Lá vinha Susana, sua agente, as pernas compridas e ágeis na caminhada da vitória, passos à frente do editor e do produtor e diretor de cinema, mais um pequeno séquito. Um comitê de recepção com vários tons e formatos de dentes exibidos no sorriso do sucesso.
Eduardo foi cercado por saudações, apertos de mão, abraços, beijos, fotógrafos e fãs com celular para as selfies. O cortejo da badalação serpenteou livraria adentro, enfim dissolvendo-se diante da mesa e cadeira onde o escritor se acomodou para a sessão de autógrafos de O semeador de palavras, seu romance de estreia que começaria a ser filmado no outono.

Exercício para o curso de escrita criativa. Técnica de narrador câmera. Premissa desenvolvida a partir do depoimento de um colega, o Eduardo que estuda agronomia e resolveu fazer o curso porque gostava de escrever nos tempos de escola. Meu primeiro conto. Quem escreve um conto corrige muitos pontos.
 

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