Eduardo desce do carro de aplicativo e corre escada acima para dentro do prédio da faculdade de arquitetura. Passa o cartão de identificação na roleta de acesso, sobe ligeiro os três lances da escadaria até a sala 409. Uma folha de papel A4 colada na porta indica: “Curso de escrita criativa”. Cabelo e roupas respingados, os All Star molhados, checa a hora no celular e entra de mansinho na sala.
O professor interrompe o que estava dizendo para dar boas-vindas. Eduardo se acomoda numa cadeira perto da porta. Os olhos azuis dão uma rápida sondada no resto da turma. Pouca gente naquele enclave das humanas em território das exatas. Nove com ele – quatro mulheres, cinco homens, espalhados em um semicírculo irregular na sala mal-ajambrada, três paredes ocupadas por estantes do chão ao teto repletas de maquetes, na outra o quadro, uma mesa enorme na lateral direita, cadeiras pelo restante do espaço. Enquanto o professor lê um informativo enfadonho sobre o curso, Eduardo cata o bloco e o estojo na mochila. A chuva martela o concreto e o metal do lado de fora. A pedido do professor, os alunos começam a se apresentar. Três do jornalismo, um da filosofia, uma do direito, três das letras. E ele.
“Estudo agronomia”, diz Eduardo, deixando exposta a timidez. “Gostava de escrever no ensino médio. Só escrevia por obrigação, mas gostava. Fiquei sabendo desse curso e me inscrevi. Não é pra publicar nem nada. Só pra escrever mesmo.”
“Vai semear palavras”, brinca o professor.
A lua cheia surge de dentro do mar, rasgado por uma faixa de reflexo prateada. De dentro do carro, Eduardo observa calado a paisagem deslizante. Pede para o motorista desligar o ar e abrir os vidros. Rodam assim por mais vinte minutos.
A lua cheia surge de dentro do mar, rasgado por uma faixa de reflexo prateada. De dentro do carro, Eduardo observa calado a paisagem deslizante. Pede para o motorista desligar o ar e abrir os vidros. Rodam assim por mais vinte minutos.
“Chegamos”, diz o motorista. “Vou estacionar aqui perto. Me avise quando quiser que venha buscá-lo.”
Eduardo agradece e desembarca. Para na calçada, de frente para a porta larga e as duas vitrines enormes da livraria. Os olhos azuis tímidos observam a movimentação lá dentro. Muita gente, o ruído das conversas e a música ambiente escoam-se até a rua com a luz de tom quente que compõe o ambiente sofisticado da loja.
“Chegou ele!”, exclama a mulher que surge na porta com um largo sorriso na boca e nos olhos, as pernas compridas e ágeis a passos firmes, o vestido de seda floral ondulando da cintura para baixo. Atrás dela, três homens, dois deles de mãos dadas com suas acompanhantes. “Susana”, cumprimenta Eduardo em tom afável. O comitê de recepção exibe dentes de vários formatos e tons em sorrisos de genuína alegria.
No instante seguinte Eduardo vê-se envolto em saudações, apertos de mão, abraços, beijos. Fotógrafos e fãs com celular para as selfies formam um pequeno cortejo que serpenteia livraria adentro, dissolvendo-se diante da mesa e cadeira reservadas para o escritor. Eduardo acomoda-se, pega a caneta do bolso do blazer. Diante dele, as pessoas que lotam a livraria começam a se organizar em uma fila comprida e compacta. O mestre de cerimônias anuncia o início da sessão de autógrafos de O semeador de palavras, romance de estreia do jovem autor, sucesso de público e crítica, que começará a ser filmado no outono.