terça-feira, 28 de abril de 2020

A redenção do feijão

Minha vida não mudaria se eu continuasse não gostando de cheesecake. Mas não gostar de feijão sempre foi limitador. Quando criança, feijão com arroz se tornou uma experiência traumática. Assim como canja de galinha. O problema não era o gosto, descobri depois de adulta. Eram os ingredientes.
Minha avó e mãe colocavam pedaços de porco no feijão. Eu tinha horror daqueles troços repugnantes, ossos, cartilagens, gordura. Tenho gravada na mente a imagem repulsiva de um pedaço de orelha de porco sendo pinçado da terrina por uma delas em um almoço, com uns pelinhos visíveis. Eu detestava feijão com arroz. Ficava de castigo na mesa até comer a combinação insuportável. Na verdade, ficava lá sentada e não comia até ser liberada da tortura.
A canja era outro espetáculo dantesco, com pés e pescoços de galinha que eram saboreados pelos outros enquanto eu só tinha vontade de sair correndo e não ter que ver aquela chupação de ossinhos. O aspecto do caldo, com aquelas manchas de gordura em meio à água também não me entusiasmava nada, nada a comer. Só descobri que canja podia ser muito, muito diferente - e uma delícia - com quase 40 anos, em uma casa de religião de matriz africama. Eu disse pra mãe-de-santo que não gostava de canja, ela disse que eu tinha que experimentar a dela. Por Oxum! Que canja. Sem bolotas de gordura, só carne de galinha bem desfiadinha, arroz e tempero verde. As melhores canjas de comi na vida foram nas casas de santo. Foi onde descobri a canjica branca e amarela também. Outro manjar. Vou veganizar as canjicas neste inverno.
Feijão eu tentei voltar a comer depois dos 18 anos. Feijão preto não. Tentei o azuki e outros. Até comia, mas por obrigação. Não gostava. E não sabia fazer. Nem me interessava em aprender. Larguei de mão e fiquei só na lentilha, que amo.
Nesta quarentena, sabe a deusa por que, senti vontade de comer feijão preto. Até hoje não senti vontade de comer feijão nem vinte vezes no total. Comprei feijão preto orgânico em minha primeira ida à Feira Ecológica do Menino Deus. Pesquisei como fazer, consultei as amigas e fiz meu primeiro feijão em mais de dez anos. Ficou gostoso, mas aguado.
Fiz de novo na semana passada. E agora posso me considerar mestra no feijão preto. Ficou perfeito. Feijão me deixava estufada e com gases, o que era mais um motivo pro ranço. Meus feijões não causaram nada disso. Molho de 12 horas, trocando a água na metade do tempo pra eliminar bem os fitatos, resolve esse problema. Depois é só cozinhar na panela de pressão com folhas de louro. Sal eu só coloco depois de pronto.
Do feijão para a feijoada vegetariana foi pra já. Fiz ontem. Refoguei bem uma cebola com bastante óleo, depois adicionei tofu defumado e linguiça calabresa de soja e refoguei também. Adicionei ao feijão com cebolinha, mais inhame e batata-doce cozidos. Era o que eu tinha em casa, Resultado divino.


Enquanto narrava a saga redentora do feijão lembrei que tudo na verdade começou com vontade de comer farofa. Adoro farofa. E não sei de muita coisa que combine com farofa além de feijão. (Na real, não sei de nenhuma outra coisa. Já comi com peru, mas não é tão bom.) Bom, fiquei com tanta vontade de comer farofa que veio a vontade de comer feijão. Só que senti que farofa pronta não era exatamente o que me agradaria. Muito tempero químico, muito conservante, eu sinto o gosto artificial. Concluí que estava na hora de aprender a fazer farofa. Foi exatamente como no caso do feijão. A primeira ficou meio sem graça. Mas as duas seguintes ficaram um espetáculo.
Minha filha achou estranho, mas tô curtindo farofa de gengibre. Coloco montes de dentes de alho pra refogar, depois acrescento uma generosa quantidade de gengibre picadinho. E então a farinha de mandioca, fico mexendo até dourar bem. Depois de pronta acrescento o sal.
Hoje vou fazer mais farofa pra acompanhar a feijoada. Arroz não. Feijão com arroz ainda não. Talvez daqui a pouco ou mais adiante.

Cheesecake redimida


Nunca gostei de cheesecake - isso é um eufemismo. Sempre falo que, quando for síndica universal, vou banir a cheesecake do planeta. Doce sem graça e pouco doce. Mas o banimento não se aplicará à minha cheesecake com queijo de castanhas.
Só fiz duas até agora. A receita da base ainda está em desenvolvimento. Fiz a primeira com cacau, e esta da foto com canela. Gostei mais com canela.

· ½ xícara de óleo de coco
· 2 colheres (sopa) de linhaça triturada diluída em 8 colheres (sopa) de água
· ½ xícara de açúcar demerara
· ½ xícara de cacau em pó (ou canela a gosto)
· 1 colher (chá) de extrato de baunilha
· 1 xícara de aveia
· 1 xícara de farinha de arroz
· 1 colher (sopa) de gergelim
· 1 pitada de sal
Misture todos os ingredientes secos, depois os molhados. Modele em forma untada com óleo de coco e polvilhada com farinha de arroz. Asse.

Essa massa ficou bem crocante, tipo biscoito, comi pegando com a mão. Afinal, tô aqui em casa sozinha e adoro comer com a mão.
Não coloquei fermento. Farei outra com fermento e menor tempo de forno. Quero chegar a uma base mais macia, pra ficar mais convencional. E poder servir sem que as pessoas tenham medo de que um pedaço voe do prato delas ao tentarem partir ou que a base se quebre toda. (Essa não quebrou quando parti as três fatias que comi. Eu ia só experimentar, gostei tanto que repeti e finalizei com uma tirinha fininha. Tudo sem a base se espatifar.)
Fiz o creme de queijo com um queijo de castanhas de caju e do Pará fermentado com rejuvelac, batido com tâmaras. A cobertura é de cranberries com passas de uva cozidas com pouca água. Isso foi tudo a olho.
Na próxima vou anotar as quantidades. E adoçar a base com tâmaras, para ter uma torta 100% funcional. O queijo de castanhas é vivo, então não asso. Coloco as coberturas após a base esfriar.

domingo, 26 de abril de 2020

Na lida e na luta

Tentando vencer a letargia, a vontade de ficar sentada, fazendo nada.
A semana que passou foi devagar. Não sinto falta da rua, tô de boas em casa. O problema é não sentir vontade de fazer coisa alguma.
Por sorte sempre existem motivos de força maior que me empurram. Dessa vez, foi o aniversário da enteada do ex-marido (ah, esses relacionamentos múltiplos), 19 anos. Pensei em fazer uma cheesecake de castanhas. Ainda bem que fui me informar, fiquei sabendo que ela não é de doces, mas adora pão. Mudei o presente pro meu já clássico e famoso pão de sementes. Ficou perfeito (comi aquele pequenino ali, que fiz pra justamente conferir o resultado.
Como me recuso a usar o forno para fazer uma coisa só, tive que superar a inação e assar biscoitos de resíduo de leite. Enfim cheguei a uma receita de base, muito mais simples do que imaginava. Essa fornada ficou perfeita, perfeita. Assar biscoito em forno doméstico não me parece coisa fácil. Fiz na quinta-feira. Na sexta achei que eles poderiam secar mais. Então acendi o forno e coloquei todos lá de novo. Junto com a base de cheesecake que tive que fazer. Isso é história pro próximo post.

Biscoito de resíduo de leite vegeta



A base desses biscoitos é 1 xícara de resíduo de leite vegetal (qualquer um, nesses tem amendoim e soja) e 1 xícara de farinha de arroz ou de aveia. A quantidade de óleo não medi, eu coloquei o suficiente para a massa ficar úmida e maleável. Sal e gergelim completaram a receita. Adicionei orégano em uma parte da massa, ficou delicioso também. Dá para colocar alho, cebolinha ou cebola em pó/secos, pápricas, pimentas, noz-moscada, grãos de mostarda, zahtar... Dá para experimentar de tudo. Eu asso em forma forrada com papel manteiga, pincelo óleo e polvilho farinha de arroz ou de aveia. Espalho uma camada fina da massa, faço cortes com uma faca e levo ao forno.

Pão de sementes

 


200g (2 ¼ de xícaras) de aveia ou farinha de aveia ou farinha de arroz
150g (1 xícara) de sementes de girassol
100g (1 xícara) de castanhas (ou outra oleaginosa) grosseiramente picadas
60g (1/3 de xícara) de sementes de linhaça
60g (1/3 de xícara) de semente de abóbora sem casca
60g (1/3 de xícara) de gergelim branco
30g (¼ de xícara) de semente de chia
30g (1/3 de xícara) de linhaça moída (ou psyllium)
Sal a gosto
¼ de xícara de óleo
2 ½ xícaras de água.
Misture bem todos os ingredientes secos.
Adicione os líquidos e mexa bem.
Deixe descansar em temperatura ambiente por 2 a 12 horas.
Coloque a massa em 2 formas de pão pequenas forradas com papel manteiga.
Ajeite com uma espátula para dar formato.
Pré-aqueça o forno a 200 graus e asse até dourar.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

Grãomelete


Receita fácil, rápida e saborosa. Combina com mil coisas.
A base é a seguinte:
  • 1 xícara de farinha de grão-de-bico
  • 2 xícaras de água
  • 2 colheres (sopa) de linhaça
  • sal
  • 1 colher (chá) de fermento
  • temperos a gosto (alho, cebola, salsa, cebolinha, pimentas, açafrão, cúrcuma, curry, pápricas, alecrim)
Bato primeiro a linhaça no liquidificador. Depois acrescento os demais ingredientes. O fermento eu deixo por último, só dou uma misturada rápida.
Unto a frigideira de cerâmica com óleo, coloco a massa (a quantidade depende do tamanho da frigideira, ali na foto dá pra ter uma ideia da espessura e deixo cozinhar com a tampa. Viro quando a parte de baixo está dourada.

Sempre faço duas receitas e guardo na geladeira para ir consumindo. Dessa vez, com folhas variadas (espinafre, rúcula, rúcula dente-de-leão), rabanete e coentro.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Dia de feira


Quarta-feira é o dia de abastecer a casa. A pandemia deu o empurrão de que eu precisava para aderir à CSA - Comunidade que Sustenta a Agricultura. Busquei minha primeira cesta no dia 1º de abril, na maravilhosa Feira Ecológica do Menino Deus. O distanciamento social estava começando. É possível receber a cesta em casa, mas eu queria conhecer meu coagricultor e quem sabe comprar mais algumas coisas. Sábias decisões. Primeiro, aderir à CSA. Segundo, buscar a cesta.
Hoje foi minha quarta ida à feira. Considero o ambiente seguro. Ao ar livre e espaçoso, bem mais agradável que a Feira Ecológica do Bom Fim. E mais bem frequentado que a média dos locais, já que a maioria das pessoas estava de máscara.


O que tem aqui: avocado, maracujá, couve, inhame, tomate, limão, aipo, rúcula, cebolinha, batata-doce, rabanete, coentro, jiló, caxi e rúcula dente-de-leão. E uma garrafa de caldo de cana. (No liquidificador, a massa de grãomelete que comerei no jantar.)
Hoje foi dia de novidades. Não conhecia o coentro fresco nem a rúcula dente-de-leão. Nunca comi nem preparei caxi ou jiló. Nesta semana vou experimentar.
Minha atividade culinária e minha dieta foram afetadas de modo muito positivo pela pandemia. (O que é um conforto em meio à tragédia. Tenho cultivado a prática de olhar para as pequenas coisas boas do cotidiano, em especial tudo que estou fazendo nesse período. É o antídoto para as más notícias.) Desde agosto passado eu vinha cozinhando cada vez mais. E consumindo cada vez menos produtos de origem animal e processados. Com o distanciamento social e sem restaurantes para ir, a cozinha se tornou ainda mais atraente. Com a CSA, mais colorida, variada e orgânica. E politizada. CSA é agricultura familiar. A agricultura que produz alimentos de verdade. Sem veneno e sem exploração.