quinta-feira, 31 de março de 2016

Que droga

A mente é capaz das mais incríveis artimanhas para buscar a felicidade e fugir do sofrimento. Meu coração partido está proporcionando uma produção e exibição formidável de truques da mente para tentar fugir do inevitável: a dor da separação.
Inicialmente, houve dores das quais a mente não fugiu. A separação permitiu acessar sofrimento muito, muito antigo, que veio à tona e foi lindamente liberado. Foi um esvaziamento. Essa liberação permitiu que eu me preenchesse de amor, gratidão, reconhecimento. Permitiu uma pacificação incrível.
Mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.
Extravasar a dor do abandono infantil e da perda da mãe não é a mesma coisa que dissipar a dor pelo fim de um namoro. Minha mente tentou juntar tudo no mesmo balaio e liquidar a fatura. Não deu certo.
E hoje foi o dia de ver que meu coração está partido. E que a mente estava tentando driblar a dor que isso causa. Tentando adiar. Prendendo-se a esperanças, expectativas e espera totalmente infundadas. Algumas de minhas ações foram literalmente uma droga: produziram uma breve sensação de prazer e depois agravaram a ânsia.
A conclusão foi simples: chega de drogas (inclusive de clonazepam).
Hora da desintoxicação. Day 1.


Disciplina

A partir de hoje.
Ao começar com o antidepressivo, tinha parado de beber.
De domingo até ontem, bebi e tomei o trio clonazepam, escitalopram e quetiapina.
Ontem bebi apenas 600ml de cerveja, mas na sequência ingeri o antidepressivo e a quetiapina (o clonazepam tinha tomado à tarde, bem mais cedo). Estava vendo um seriado, tive que parar. Fui deitar totalmente chumbada. E foi bom. Bem bom.
Achar esse embotamento tão bom não é lá muito bom.
É maravilhoso dormir pesadamente a noite inteira, sem acordar, sem me revirar na cama. Só que não teria nada a ver substituir o velho distúrbio de sono errático pela prática de desmaiar via combinações químicas.
Esses episódios não foram premeditados. Mas serão deliberadamente evitados.
O momento é de enfocar a prática da disciplina.
No trabalho.
Na dieta.
No treino.
Na meditação.
No cultivo de novos hábitos.
Na dissolução de velhos padrões.

Cicatrizes recentes, delicadas.
Sementes germinando, brotos minúsculos, frágeis.
Cuidar bem.
Tratar bem.
Do corpo e da mente.


quarta-feira, 30 de março de 2016

Encontrei o AMOR


Hoje tatuei LOVE, aproveitando o OM há anos em minha pele.
Essa tatuagem começou a ser sonhada no verão. A ideia era gravar "amor" em sânscrito. Mas não consegui descobrir qual a palavra sânscrita correspondia ao tipo de amor a que eu me referia. Amor romântico, conjugal, sensual, apaixonado, cúmplice, fraternal, a duas. O amor de Lilo e Tigrinha.
Aí, mal havia tatuado o Ho'oponopono na semana passada, vi "love" escrito com o mantra OM no lugar da letra "o". Encontrei o amor que estava procurando! Pelo menos esse... Vamos melhorar isso. Não é "pelo menos esse". Encontrei esse. Muito, muito importante. Porque é o que vou viver agora.

As incríveis casualidades. Acabo de ver que há dois meses, em 30 de janeiro, fui homenageada com uma declaração de amor linda e pública. O amor que hoje enfim tatuei.
Amor que desejo que se manifeste plenamente em minha vida.

Esperas, esperanças

Saí do cercadinho. Mas será que o cercadinho saiu de mim? Ainda não completamente.
Me peguei em flagrante. E que flagrante! Na tampinha! Com boca na botija. Com a mão na cumbuca!
Primeiro vi que queria retomar o relacionamento. Compreensível. Leva um tempo para superar.
Mas hoje veio a percepção que não é ok: eu estava esperando a retomada. Ou seja, continuava esperando a volta de quem foi embora. Não me sinto mais abandonada como criança, vejo o rompimento como ele é, sem misturar com os traumas da infância. Mas continuava esperando o retorno. Dissolvi um padrão, o outro persistiu.
Ver isso não foi nada agradável. Mas esperava o quê? Que todos os velhos padrões mudassem da noite para o dia? Esperança ainda mais descabida do que esperar a volta de ex que está noutra e em outro relacionamento. Que me removeu por completo de sua vida. Que muito acertadamente me deletou para desapegar e evitar deslizes nostálgicos. Que fechou os canais de comunicação.
E o aspecto das "comunicações" contém a percepção realmente perturbadora. Não é só esperar. Eu estava indo atrás. E ir atrás é o que alimenta a espera e a esperança de retorno. Cria confusão em minha mente. Confusão que minha mente quer criar, é óbvio. Qualquer mínimo contato, qualquer resposta educada ou protocolar atiça a fogueira do apego-desejo-esperança-espera.
Meu padrão de comportamento causa perturbação e sofrimento para mim e demais envolvidos. Gera turbulência. Eu fico estagnada e atrapalho um relacionamento. Crio uma sombra na minha vida e na vida de outras pessoas. Isso não é amor. Isso é apego.
Amor é o desejo de que o outro seja feliz.


terça-feira, 29 de março de 2016

Limpeza, clareza

Tanta, mas tanta coisa acontecendo.
(Re)conhecimento.
O universo me ampara. protege, acolhe, cobre e envolve com um manto de luz.
Manhã de magia e revelações.
Recebo orientações externas preciosas e também enxergo por mim o que existe em minha mente-coração e o que movimenta minha energia. Algumas coisas são conflitantes. Em que acreditar? Em quem acreditar? De momento, em nada e ninguém. E em tudo. Porque são as possibilidades apresentando-se. E meus sonhos. Minhas expectativas. Aquelas coisas que ficam escondidas e/ou latentes e que agora estou trazendo à luz. O momento é de simplesmente observar, deixar fluir.
Me vi de novo presa do antigo desejo, de um apego violento e sufocante. Tomei um rivotril. Não estou afim de ficar me debatendo. Ainda não consegui dissipar aspectos de desejo-apego de um amor que desabrochou como uma flor linda, exótica e por demais intoxicante. Mas a jardinagem prossegue.
O melhor de tudo foi ouvir que estou aberta para a prosperidade. O foco TEM que ser esse agora.
Back to work.

domingo, 27 de março de 2016

Renascimento, renovação

Incrível como algumas coisas óbvias permanecem despercebidas até o instante em que se revelam. Paffff! Do nada! A iluminação com certeza é assim.
Enquanto minha mente inata e fundamental de clara luz permanece oculta sob camadas e camadas de obscurecimentos, a mente grosseira experimenta insights preciosos.
Estou assistindo The L Word ("sapa bonde", disse minha filha). No final do episódio que vi ontem, a personagem Bette fala da crise com a parceira Tina, comentando que não concordavam mais em nada, que as visões eram diferentes em tudo e que ela gostaria de estar com alguém que concordasse com ela, que gostasse das mesmas coisas, que tivesse as mesmas ideias e opiniões.
Bette uma gay convicta (na falta e preguiça de procurar termo mais adequado), o homem da casa, provedora, realizadora, profissional bem-sucedida, líder, autoritária.
Tina uma bissexual que abandonou a carreira para ser mãe, que se deixava levar e coordenar pela parceira. Insegura, dependente em todos os sentidos.
Em meio às dificuldades de relacionamento, idas e vindas, Tina vai saindo da órbita de Bette. Vai tratar da vida, especialmente da vida profissional. As diferenças acentuam-se. Existe amor, a vontade de estar junto, de construir uma família. Mas os caminhos bifurcam-se de modo inexorável.


Enquanto me percebo Tina - e desejo ser a Tina batalhadora e começo a procurar meu caminho -, o universo traz uma pessoa com vivência extremamente semelhante. Uma amiga de alma. Nos conhecemos na hora certa, brotou uma amizade suave, ela me acolheu em sua casa, deu o colo de que eu tanto precisava.
Ela me vê como uma pequena águia recém-liberta da gaiola, abrindo as asas nos primeiros voos. Minha amiga-irmã águia vai voar comigo hoje.
Vamos celebrar o renascimento, a renovação. A primavera no outono.

sábado, 26 de março de 2016

Novos hábitos

Ter passado um mês praticamente sem correr, retornando à musculação com um treino de readaptação, esclareceu a origem da pressão matinal na lombar. É de fato a corrida. Nas raras ocasiões em que corri, senti desconforto na manhã seguinte. Os treinos de musculação só causaram essa sensação na primeira semana. Isso que estou fazendo agachamento com barra livre, stiff e saltos. Tudo muito, muito leve. Mas o corpo sem dúvida readaptou-se bem.
Na primeira semana, aprendi os três treinos a duras penas. Na segunda, fazendo sozinha, foi um suplício, tive que baixar algumas cargas, fazer intervalos maiores. Nesta última semana, finalmente fluiu. Consegui fazer tudo - e fazer bem.
No início do ano sonhei em correr a maratona em junho. Sonho compartilhado. Todavia, os primeiros treinos mostraram que eu simplesmente não conseguia encaixar. Nem em termos de volume, muito menos de velocidade.
Agora estou sem planilha e sem objetivos a não ser conseguir, mais uma vez, voltar a gostar de correr. E investigando possíveis motivos físicos para uma queda tão acentuada de desempenho. 52 anos, menopausa? Pode ser. Segunda-feira vou apresentar os exames para a endócrino avaliar.
As questões emocionais sem dúvida contribuíram para o baque - e a melhora nesse aspecto já se refletiu no corpo. Chego ao final do mês me sentindo mais disposta. O cansaço anormal passou. Na quinta-feira, rodei 12km. Lenta, lenta, lenta. Mas me senti bem depois.
De momento, a ideia de treinar com planilha e metas é assustadora. Teria que recomeçar do zero, com objetivos muito modestos. Isso é tão difícil... Logo vem a comparação entre o presente e o passado, e aí o desânimo e a frustração se manifestam.
Mas as coisas estão andando em ritmo acelerado por aqui. Vejamos o que abril trará.


sexta-feira, 25 de março de 2016

O poder do amor

Sou a prova viva de que as pessoas mudam por amor.
Meu processo de transformação pessoal foi desencadeado pelo amor por minha filha. Lembro exatamente do momento em que a motivação se manifestou.
Foi no meu escritório, Lízia tinha cerca de um ano e três meses, estava sentadinha no bebê-conforto. Eu estava tentando trabalhar e fui assolada pela ansiedade. Era como se fosse morrer ou ficar louca. Um medo incontrolável, suor frio, paralisia. Horror. Surtos assim eram cada vez mais frequentes e intensos.
Olhei pra minha filhinha e me desesperei. E se eu morrer? E se eu ficar louca? O que vai ser dela?
Comecei a me tratar. Naquele momento, fui atrás de profissionais para me curar.
Sempre que vinha o pavor, a sensação de morrer/enlouquecer, a dúvida de que poderia um dia sair daquele estado, eu pensava que TINHA que conseguir porque eu tinha uma filha para criar.
Até hoje, quando tenho vontade de desistir, é nela que eu penso. E sigo.
Recentemente, o amor por outra pessoa deflagrou uma nova etapa em meu processo evolutivo. Não é exatamente como o amor por minha filha, em que comecei a me mover por ela e para ela, para o bem dela mais do que para o meu próprio. Dessa vez, o amor por outra pessoa me impulsionou a ser melhor para mim mesma, para que o nosso relacionamento fosse melhor, se fosse possível manter tal relacionamento, ou para que os próximos relacionamentos não fossem variações de um mesmo tema já muito conhecido.
Essa pessoa é uma mulher muito parecida com minha mãe. Estava a meu lado quando minha mãe morreu e me deu exatamente o mesmo tipo de apoio que minha mãe sempre me deu. Presença. Não me consolou, mas ficou ao meu lado e me ajudou a tratar das questões práticas. Cuidou de mim como minha mãe cuidava.
De início tive imensa dificuldade para lidar com ela e com nosso relacionamento. Parecia que tudo era errado, que nada funcionava entre nós. Eu não estava preparada para ter uma namorada. Mas a cada afastamento eu sempre queria voltar a tê-la comigo. E o desejo de ficar com ela, de fazer dar certo, de que nosso amor fosse uma experiência benéfica aumentava. Essa mulher batalhadora, bem-sucedida, líder apontou duramente para a desorganização da minha vida profissional e financeira. E me serviu de exemplo. Eu ficava observando e tentando aprender. O convívio com ela me fez perceber o quanto minha vida era absurda e desregrada. Vendo que simplesmente não sabia nem por onde começar a me organizar, fui buscar ajuda profissional. Pela primeira vez, quis elucidar aspectos da vida material e não emocional. Claro que estão interligados, mas o foco da motivação mudou.
Meu amor e nossas dificuldades de relacionamento me fizeram olhar coisas que eu queria mudar em mim, trabalhar nesses aspectos e com isso acessar conteúdos escondidos e represados. Fui fazer a minha parte para o relacionamento funcionar - e para EU funcionar melhor em tudo.
O relacionamento chegou ao fim. Minha jornada fora do cercadinho onde vivi está só começando.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Ho'oponopono


A primeira vez que vi essas frases foi num post de Instagram dedicado a mim pela mulher que me despertou um amor transformador.
Ontem minha irmã de alma Luciana me recomendou praticar o Ho'oponopono. Quando ela falou essas frases, veio o estalo: é a tatuagem que vou fazer.
E fiz. Hoje mesmo.
Celebração do momento que vivi.
Laura, minha irmã, disse que me constelei sozinha. E foi exatamente isso.
Minha psicóloga disse que saí do cercadinho. E foi exatamente isso.
Minha irmã de alma Flavia disse que fiz um renascimento sozinha. E foi exatamente isso.
Ontem chorei a ausência de minha mãe. Chorei como o bebê que era deixado no carrinho, no berço e no cercadinho e queria que a mãe viesse buscar, pegar no colo, cuidar. Mas também chorei a morte dessa mãe, chorei tudo que não chorei enquanto ela morria de 2008 a 2015 e eu assistia e cuidava. Me esvaziei de uma dor gigantesca.
E preenchi um vazio emocional que havia em mim com perdão, gratidão e amor. Por mim, por minha mãe e por meu pai. Foi um ho'oponopono espontâneo. Que agora sigo praticando deliberadamente.
Foi uma constelação. Estou curando meu sistema familiar.
Renasci mais inteira. Reconhecendo e agradecendo o que meus pais fizeram por mim.



On drugs

Prescription drugs.
Sometimes therapy and meditation simply don't do it.
On quetiapine for about four months now. Atypical antipsychotic, in a very low dosage, just to sleep.
Last week I've started on escitalopram, antidepressant for anxiety disorders.
And last Tuesday, clonazepam, to reinforce escitalopram on my anxietyy disorder. Clonazepam is just for emergencies. And I hope it won't be very much needed, specially because yesterday I got a huge insight that vanquished a lot of anxiety.
Doing my best to keep my act together.


quarta-feira, 23 de março de 2016

Sem pai, nem mãe

A saída do cercadinho emocional prossegue. E traz à tona dores até então ocultas.
Na segunda-feira, me vi como o bebê que chorava no carrinho, no berço e no cercadinho pedindo colo da mãe, que não cedia para não acostumar mal, para não deixar a criança manhosa. Chorei o abandono emocional, a frieza daquela que me criou maravilhosamente como podia sem ajuda do pai, a que foi "o homem da casa". Que proveu tudo, menos o afeto, o carinho. Não se pode dar o que não se recebeu e não se conhece.
A imagem de minha mãe como homem da casa serviu de referência para meu arquétipo masculino. Meu arquétipo masculino é trans. O que explica meus peculiares interesses.
O final de um relacionamento causa em mim uma reação excepcionalmente intensa de sofrimento por reviver a sensação de abandono e desamparo.
No momento, me sinto sem pai, nem mãe. A dor desencadeada por essa percepção infantil é indescritível. Mas também redentora. Entender é o primeiro passo para curar. E a vontade de se curar, de mudar, atrai a benevolência do universo.
A saída do homem da casa de certo modo é ainda mais impactante que o abandono do pai. Porque pai eu nunca tive. E a mãe foi a grande figura de minha infância (e toda a vida).
O momento abriu espaço para minha filha se manifestar não mais como filha adolescente, mas como adulta, uma jovem mulher de 19 anos. Muito inteligente, muito sagaz, muito amorosa e o principal nesse instante: compreensiva. Milha filha é parecida comigo, ela entende o que eu sinto, consegue ser empática. Amiga e confidente.
E há outras figuras femininas importantes.
A terapeuta que desde outubro conduz meu processo de reorganização. Sinalizando e pontuando com objetividade. Fazendo eu ver não só meus erros e problemas, mas reconhecer minhas qualidades e o valor de muito que fiz e faço.
A nova amiga que me acolheu em sua casa com o carinho e doçura de que preciso.
A nova amiga que desinteressadamente me indica como tradutora.
Minha irmã, parecida com nossa mãe como homem da casa. Prática. Rápida. Decidida. Focada. Meu oposto. Me dá nos dedos com firmeza, mas sem crueldade. Me estimula a sair da inércia. E implementar as mudanças que há vinte anos "quero" fazer.
E minha irmã de alma, a amiga que nunca vi pessoalmente, mas com quem converso diariamente há um ano. Essas conversas nos proporcionam os mais incríveis insights. É uma troca riquíssima de experiências, uma aprendendo com a outra.

Sem pai, nem mãe. Sentindo a dor do abandono e desamparo infantil. Isso é real. Aconteceu. Mas já passou. E essas feridas podem ser limpas e cicatrizadas.
Igualmente real é que não estou sozinha, embora o sofrimento possa dar essa sensação. Essas mulheres estão me acompanhando. Estão por perto. Mas evidentemente tudo depende de mim.
Nos últimos anos, eu disse para duas pessoas que ia mudar em termos de vida profissional e financeira. Não mudei. Minha filha comentou que me ouve falar isso há dez anos.
Por que não mudei? Porque não sabia como. E porque associava a dependência financeira a amor, afeto, cuidado, interesse pela minha pessoa. Ser independente seria não ter nem essas migalhas de amor.
As coisas agora chegaram ao ápice. Ou ao fundo do fosso. Baixando a poeira, é hora de finalmente começar as mudanças. Tenho medo, tenho dúvidas. Mas não tenho alternativa. Que meu otimismo e minha determinação prevaleçam. 

domingo, 20 de março de 2016

Cercadinho

Ano Novo.
Equinócio de outono.
E Dia Internacional da Felicidade.
Minha mente opera por metáforas com frequência. Uma das mais recentes - e de momento a mais impactante - é a do cercadinho.
Fui um bebê de cercadinho. Minha irmã nasceu quando eu tinha um ano e três meses, e fui despachada para o cercadinho. Não que antes recebesse muito colo - minha mãe contou que naquele tempo vigorava a teoria de que colo deixava o bebê manhoso - então era berço ou carrinho. Ela afirmou que eu gostava muito de ficar no cercadinho.
Passadas cinco décadas, me percebi ainda dentro do cercadinho. Não por gostar, e sim por não conhecer outra coisa, por não imaginar alternativas. O cercadinho oferecia uma (falsa) sensação de segurança. Acompanhada de isolamento, solidão e do onipresente abandono. E a expectativa de ser retirada dali, de ser pega no colo. Em uma analogia budista, o cercadinho era/é uma paisagem mental (como a do sapo que imagina que o poço onde vive é o mundo que existe).
O cercadinho/paisagem mental abriu-se quando vi que estava ali dentro e que poderia sair sozinha. (Nem tão sozinha, com acompanhamento psicoterapêutico.) E então? Uma vertigem, um ofuscamento. A realidade redimensionada é imensa. Empolgante e assustadora. Tira o fôlego.
Nesse ano que se inicia, começo a dar meus primeiros passos fora do cercadinho. Ainda estou muito perto dele, tipo andando ao redor, indo aqui e ali e voltando. Na entrada do outono, no equinócio, no Dia Internacional da Felicidade, percebo que, depois de ter saído do cercadinho, chegou a hora de conhecer o mundo. E sair sem levar o cercadinho junto, é claro.

sábado, 19 de março de 2016

Summertime sadness



Verão terminando. Já estou meio de saco cheio do calorão, mas tensa com a possibilidade de um inverno rigoroso. Detesto frio. Também não gosto mais de calor como gostava. Estou mais equilibrada. Mais temperada.
Como o dia de hoje. Começou abafado, choveu. Está cinza, úmido, pesado. Mas com temperatura amena.
O cinza do céu combina com meu (des)ânimo nesse sábado. Contudo... sempre se pode escolher para onde olhar. E, voltando para casa depois da academia e de uma corridinha, vi essas flores no flamboyant do Parcão na esquina da 24 de Outubro com Goethe.
Meu olhar sempre procura a luz, a lua, o verde das árvores, as flores, a beleza. Então, embora eu esteja cinzenta, meus olhos lúcidos estão olhando para a beleza que existe nesse momento. Como a beleza das folhas e flores do flamboyant colorindo a paisagem do dia sombrio.
A sensação soturna e gris de perda, de luto, de saudade, de tristeza traz consigo um broto viçoso e verde brilhante que é o enorme ganho que a experiência está proporcionando. O momento é de fixar os olhos nesse brotinho e cultivá-lo para que cresça e floresça, explodindo nas cores da sabedoria, compaixão e felicidade.