Nunca sofri tanto em uma tradução. Pelo menos não que me lembre.
Acho que não há traduções de Emerson em catálogo no Brasil. Fica aqui minha modesta contribuição.
Não me preocupei com a qualidade literária, mas com a fidelidade ao sentido. O sentido mais aparente.
Traduzir é fazer escolhas.
Mas almas que de sua boa vida partilham,
Ele ama como a si mesmo; elas lhe são caras
Como seus olhos: ele nunca as abandonará:
Quando morrerem, então o próprio Deus morrerá:
Elas vivem, elas vivem em bem-aventurada eternidade.
– Henry More
O espaço é amplo, leste e oeste,
Mas dois não podem andar lado a lado,
Não podem dois viajar nele:
Acolá, o cuco magistral
Amontoa todos os ovos fora do ninho,
Vivos ou mortos, exceto o dele mesmo;
Um feitiço é assentado em relva e pedra,
Noite e Dia foram adulterados,
Toda qualidade e âmago
Sobrecarregados e abafados por um poder
Que impõe sua vontade sobre a era e a hora.
Há uma diferença
entre uma e outra hora da vida em termos de autoridade e subsequente efeito.
Nossa fé vem em momentos; nosso vício é habitual. No entanto, há uma
profundidade nesses breves momentos que nos obriga a atribuir mais realidade a
eles do que a todas as outras experiências. Por essa razão, o argumento sempre
disponível para silenciar aqueles que concebem esperanças extraordinárias no
homem, isto é, o apelo à experiência, é para sempre inválido e vão. Abandonamos
o passado ao opositor, e ainda temos esperança. Ele deve explicar essa
esperança. Admitimos que a vida humana é mesquinha, mas como descobrimos que
era mesquinha? Qual o fundamento desse nosso desconforto, desse velho
descontentamento? Qual o sentido universal da carência e da ignorância, a não
ser a tênue insinuação com a qual a alma faz sua enorme reivindicação? Por que
os homens sentem que a história natural do homem nunca foi escrita, mas ele
está sempre deixando para trás o que você disse sobre ele, e isso envelhece, e
livros de metafísica tornam-se inúteis? A filosofia de seis mil anos não
vasculhou as câmaras e depósitos da alma. Em seus experimentos sempre permaneceu,
em última análise, um resíduo que não pôde decifrar. O homem é um córrego cuja
fonte está oculta. Nosso ser desce sobre nós, vindo não sabemos de onde. A
calculadora mais exata não tem como prever se algo incalculável pode perturbar
o instante seguinte. A todo momento sou forçado a reconhecer uma origem mais
elevada para os eventos do que a vontade que considero minha.
Tal como é com os eventos, assim é com os pensamentos. Quando observo
aquele rio a fluir, vindo de regiões que não vejo, que derrama por uma estação
suas águas em mim, vejo que sou um serviçal; não uma causa, mas um espectador
surpreso dessa água etérea; vejo que eu desejo, procuro e me coloco em atitude
receptiva, mas de alguma energia alheia vêm as visões.
O Crítico Supremo dos erros do passado e do presente e único profeta
daquilo que deve ser é a grande natureza em que repousamos, enquanto a terra
jaz nos braços macios da atmosfera; aquela Unidade, aquela Superalma dentro da
qual o ser particular de cada homem está contido e se torna um com todos os
outros; aquele coração comum, do qual toda conversa sincera é adoração, para o
qual toda ação correta é submissão; aquela realidade opressora que refuta
nossos truques e talentos e obriga cada um a se passar pelo que é e a falar com
o caráter, e não com a língua, e que sempre tende a passar para nossos
pensamentos e mãos e se tornar sabedoria, virtude, poder e beleza. Vivemos em
sucessão, em divisão, em partes, em partículas. Enquanto isso, dentro do homem
está a alma do todo; o sábio silêncio; a beleza universal, à qual todas as
partes e partículas estão igualmente relacionadas; o eterno UM. E esse poder
profundo em que existimos e cuja beatitude é acessível a nós não é apenas
autossuficiente e perfeito em todas as horas, mas o ato de ver e a coisa vista,
aquele que vê e o espetáculo, o sujeito e o objeto são um. Vemos o mundo pedaço
por pedaço, como o sol, a lua, o animal, a árvore, mas o todo, do qual estes
são as partes brilhantes, é a alma. Somente pela visão dessa Sabedoria se pode ler
o horóscopo das eras e, recorrendo aos nossos melhores pensamentos,
rendendo-nos ao espírito da profecia que é inato a todo homem, podemos saber o
que ele diz. As palavras de cada homem que fala a partir daquela vida devem
soar vãs para os que não habitam no mesmo pensamento. Não me atrevo a falar por
ela. Minhas palavras não carregam seu sentido augusto, ficam aquém e são frias.
Só ela mesmo pode inspirar, e eis que, a quem o for, seu discurso será lírico,
doce e universal como o soprar do vento. Todavia, desejo, ainda que com
palavras profanas, se não posso usar as sagradas, indicar o céu dessa divindade
e relatar os sinais que recolhi da simplicidade e da energia transcendentes da
Lei Superior.
Se considerarmos o que acontece nas conversas, nos devaneios, no remorso,
nos momentos de paixão, nas surpresas, nas instruções dos sonhos, nos quais
muitas vezes nos vemos disfarçados – os disfarces divertidos apenas magnificam
e realçam um elemento real e o forçam à nossa clara atenção –, vamos colher
muitos sinais que irão ampliar e iluminar o conhecimento do segredo da
natureza. Tudo vai mostrar que a alma do homem não é um órgão, mas anima e move
todos os órgãos; não é uma função, como o poder da memória, do cálculo, da
comparação, mas utiliza-os como mãos e pés; não é uma faculdade, mas uma luz;
não é o intelecto ou a vontade, mas a mestra do intelecto e da vontade; é o
pano de fundo do nosso ser, no qual este repousa – uma imensidão não possuída e
que não pode ser possuída. De dentro ou de trás, uma luz brilha através de nós
sobre as coisas e nos faz perceber que não somos nada e que a luz é tudo. Um
homem é a fachada de um templo onde habitam toda a sabedoria e todo o bem. O
que comumente chamamos de homem, o homem como o conhecemos, que come, bebe,
planta, conta, não se representa, mas se falseia. A ele não respeitamos, mas a
alma de quem ele é órgão, deixasse ele que essa alma aparecesse por meio de sua
ação, faria nossos joelhos dobrarem. Quando a alma respira por meio do
intelecto do homem, é gênio; quando respira por meio da vontade, é virtude;
quando flui por meio da afeição, é amor. E a cegueira do intelecto começa
quando este é algo por si. A fraqueza da vontade começa quando o indivíduo é
algo por si. Toda reforma almeja, em algum aspecto, deixar a alma abrir caminho
através de nós, em outras palavras, nos fazer obedecer.
Dessa natureza pura todo homem, em algum momento, fica ciente. A linguagem
não pode pintá-la com suas cores. A natureza pura é muito sutil. É indefinível,
imensurável, mas sabemos que nos permeia e contém. Sabemos que todo ser
espiritual está no homem. Um velho e sábio provérbio diz: “Deus vem nos ver sem
avisar”, isto é, assim como não há barreira ou teto entre nossas cabeças e os
céus infinitos, não há obstáculo ou muro na alma onde o homem, o efeito, cessa,
e Deus, a causa, começa. Os muros são retirados. Quedamo-nos abertos de um lado
às profundezas da natureza espiritual, aos atributos de Deus. Justiça vemos e
conhecemos, Amor, Liberdade, Poder. Dessas naturezas nenhum homem jamais ficou
acima; elas se elevam sobre nós, principalmente no momento em que nossos
interesses nos tentam a feri-las.
A soberania dessa natureza da qual falamos é conhecida por sua
independência das limitações que nos cercam por todos os lados. A alma
circunscreve todas as coisas. Como eu disse, a alma contradiz toda a
experiência. De maneira semelhante, abole tempo e espaço. A influência dos
sentidos, na maioria dos homens, subjugou a mente de tal maneira que as
muralhas do tempo e do espaço assumiram aspecto real e intransponível, e falar
com leviandade desses limites é, no mundo, o sinal da insanidade. Todavia,
tempo e espaço são apenas medidas inversas da força da alma. O espírito brinca
com o tempo –
“Pode aglomerar a eternidade em uma hora,
Ou alongar uma hora em eternidade”.
Muitas vezes somos levados a sentir que há outra juventude e velhice além
daquela medida a partir do ano do nosso nascimento natural. Alguns pensamentos
sempre nos encontram jovens e assim nos mantêm. Um desses pensamentos é o amor
pela beleza universal e eterna. Todo homem aparta-se dessa contemplação com o
sentimento de que ela pertence às eras, e não à vida mortal. A menor atividade
dos poderes intelectuais nos redime em alguma medida das circunstâncias do
tempo. Na doença, no abatimento, deem-nos uma linha de poesia ou uma frase
profunda e somos revigorados; ou nos apresentem um volume de Platão ou
Shakespeare, ou nos lembrem de seus nomes, e no mesmo instante adentramos um sentimento
de longevidade. Veja como o profundo pensamento divino reduz séculos e milênios
e se faz presente através de todas as eras. O ensinamento de Cristo é menos
eficaz agora do que quando ele abriu a boca pela primeira vez? A ênfase dos
fatos e das pessoas em meu pensamento não tem nada a ver com o tempo. E assim,
sempre, a escala da alma é uma; a escala dos sentidos e do entendimento é
outra. Diante das revelações da alma, o Tempo, o Espaço e a Natureza recuam. Na
linguagem comum, relacionamos todas as coisas ao tempo, assim como
habitualmente relacionamos as estrelas imensamente separadas a uma esfera
côncava. E assim dizemos que o Julgamento está distante ou próximo, que o
Milênio se aproxima, que o dia de certas reformas políticas, morais e sociais está
próximo e coisas assim, quando queremos dizer que, na natureza das coisas, um
dos fatos que contemplamos é externo e fugidio, e o outro é permanente e conato
com a alma. As coisas que agora estimamos fixadas, uma por uma hão de se
desligar, como frutos maduros, de nossa experiência e tombar. O vento há de
soprá-las, ninguém sabe para onde A paisagem, as figuras, Boston, Londres são
fatos tão fugidios quanto qualquer instituição passada ou qualquer lufada de
névoa ou fumaça, e assim é a sociedade, e assim é o mundo. A alma olha firme
para a frente, criando um mundo diante dela, deixando mundos para trás. A alma
não tem datas, nem ritos, nem pessoas, nem especialidades, nem homens. A alma
conhece apenas a alma; a rede de eventos é o manto esvoaçante com o qual ela
está vestida.
Por sua lei, e não pela aritmética, a taxa do progresso da alma deve ser
computada. Os avanços da alma não são feitos por gradação, como os que podem
ser representados pelo movimento em linha reta, mas sim pela ascensão do
estado, tal como pode ser representado pela metamorfose – do ovo em larva, da
larva em mosca. Os crescimentos do gênio são de certo caráter total que não promove o indivíduo eleito
sobre John, depois Adam, depois Richard, e dá a cada um a dor da inferioridade
descoberta, mas a cada pontada da dor do crescimento o homem se expande ali
onde trabalha, ultrapassando, a cada pulsação, classes, populações de homens. A
cada impulso divino, a mente retira as tênues crostas do visível e do finito e
sai para a eternidade e inspira e expira seu ar. Conversa com verdades que
sempre foram faladas no mundo e fica ciente de uma simpatia mais forte por
Zenão e Arriano do que pelas pessoas da casa.
Esta é a lei da moral e do ganho mental. A simples ascensão, como que por
flutuabilidade específica, não a uma virtude particular, mas à região de todas
as virtudes. As virtudes estão no espírito que a todas elas contém. A alma
requer pureza, mas não é pureza; requer justiça, mas não é justiça; requer
benevolência, mas é um pouco melhor, de modo que há uma espécie de descida e
acomodação, sentidas quando deixamos de falar de natureza moral para incitar
uma virtude que ela impõe. Para a criança bem-nascida, todas as virtudes são
naturais e não dolorosamente adquiridas. Fale ao coração do homem, e ele se
torna subitamente virtuoso.
Dentro do mesmo sentimento está o germe do crescimento intelectual, que
obedece à mesma lei. Aqueles que são capazes de humildade, de justiça, de amor,
de aspiração, já estão em uma plataforma que comanda as ciências e as artes, a
fala e a poesia, a ação e a graça. Pois quem quer que habite nessa beatitude
moral já antecipa aqueles poderes especiais que os homens tanto prezam. O
amante não tem talento nem habilidade que passem despercebidos por sua donzela
enamorada, por menos que ela tenha da faculdade relacionada; e o coração que se
abandona à Mente Suprema se vê relacionado a todas as suas obras e percorrerá
um fácil trajeto para conhecimentos e poderes particulares. Ao ascendermos a
esse sentimento primevo e aborígene, vamos instantaneamente de nossa
localização remota na circunferência para o centro do mundo, onde, como no
aposento particular de Deus, vemos causas e antecipamos o universo, que é
apenas um lento efeito.
Um dos modos do ensinamento divino é a encarnação do espírito em uma forma
– em formas como a minha. Eu vivo em sociedade, com pessoas que respondem a
pensamentos em minha mente ou expressam certa obediência aos grandes instintos
com os quais eu vivo. Eu vejo a presença do espírito nelas. Certifico-me de uma
natureza em comum; e essas outras almas, esses eus separados, me atraem como
nada mais. Elas atiçam em mim as novas emoções que chamamos de paixão, amor,
ódio, medo, admiração, pena; daí vem a conversa, a competição, a persuasão, as
cidades e a guerra. As pessoas são complementares ao ensinamento primário da
alma. Na juventude somos loucos por pessoas. Infância e juventude veem todo o
mundo nas pessoas. Mas a maior experiência do homem descobre a natureza
idêntica que aparece em todas elas. As próprias pessoas nos familiarizam com o
impessoal. Em toda conversa entre duas pessoas, é feita tácita referência a uma
terceira parte, a uma natureza em comum. Essa terceira parte ou natureza comum
não é social, é impessoal, é Deus. E assim, em grupos em que o debate é sério,
e especialmente em questões elevadas, a assembleia fica ciente de que o
pensamento se eleva a um nível igual em todos os corações, que todos têm
propriedade espiritual sobre o que foi dito, assim como quem falou. Todos se
tornam mais sábios do que eram. Arqueia-se sobre eles como um templo essa
unidade de pensamento na qual cada coração bate com um senso mais nobre de
poder e dever, e pensa e age com incomum solenidade. Todos ficam cientes de
alcançar um maior autocontrole. A unidade brilha para todos. Existe certa
sabedoria da humanidade que é comum aos maiores e menores homens e que nossa
educação ordinária frequentemente trabalha para silenciar e obstruir. A mente é
uma, e as melhores mentes, que amam a verdade pelo bem da verdade, pouco pensam
em se apropriar da verdade. Essas mentes aceitam a verdade com gratidão em
todas as ocasiões e não a rotulam ou carimbam com o nome de qualquer homem,
pois a verdade é delas de antemão, desde a eternidade. Os eruditos e os
estudiosos do pensamento não têm o monopólio da sabedoria. Sua violência de
direção os desqualifica em algum grau para pensar de verdade. Devemos muitas
observações valiosas a pessoas que não são muito perspicazes ou profundas e que
dizem sem esforço a coisa que queremos e há muito caçávamos em vão. A ação da
alma é mais frequente naquilo que é sentido e não é dito do que naquilo que é
dito em qualquer conversa. A alma paira sobre todas as sociedades, e
inconscientemente as pessoas buscam por ela umas nas outras. Sabemos mais do que
fazemos. Ainda não temos controle sobre nós mesmos, e ao mesmo tempo sabemos
que somos muito mais. Sinto a mesma verdade com frequência em minhas conversas
triviais com meus vizinhos, de que algo um pouco mais elevado em cada um de nós
observa esse enredo secundário, e Júpiter acena para Júpiter por trás de cada
um de nós.
Os homens descem de nível para se encontrar. Em seu serviço habitual e
mesquinho ao mundo, pelo qual abandonam sua nobreza inerente, assemelham-se
àqueles xeques árabes que moram em casas miseráveis e simulam pobreza externa
para escapar da avidez do paxá e reservam toda a exibição de riqueza para seus
aposentos internos e guardados.
Assim como está presente em todas as pessoas, a alma também está em todos
os períodos da vida. Já é adulta na criança. Ao lidar com meu filho, meu latim
e grego, minhas realizações e meu dinheiro não me servem de nada; mas valho-me
de tanta alma quanto eu tenha. Se sou voluntarioso, ele coloca sua vontade
contra a minha, uma por uma, deixando para mim, se eu quiser, a degradação de
espancá-lo com minha superioridade de força. Porém, se renuncio à minha vontade
e ajo com a alma, estabelecendo-a como árbitra entre nós dois, de seus jovens
olhos a mesma alma olha; ele reverencia e ama comigo.
A alma é a percebedora e a reveladora da verdade. Conhecemos a verdade
quando a vemos, digam os céticos e escarnecedores o que quiserem. Pessoas tolas
perguntam, quando você fala o que elas não querem ouvir: “Como você sabe que é
verdade, e não um erro seu?”. Conhecemos a verdade quando a vemos, pela
opinião, assim como sabemos que estamos acordados quando estamos acordados. Foi
uma frase grandiosa de Emanuel Swedenborg que, por si só, indicaria a grandeza
da percepção daquele homem: “Não é prova da compreensão de um homem ter condições
de confirmar o que quer que lhe agrade, mas ser capaz de discernir que o que é
verdadeiro é verdadeiro, e que o que é falso é falso, essa é a marca e o
caráter da inteligência”. No livro que leio, o bom pensamento retorna a mim a
imagem da alma inteira, como toda verdade faz. Para o mau pensamento que nele
encontro, a mesma alma se torna uma espada discernente e separadora, e o
extirpa. Somos mais sábios do que sabemos. Se não interferirmos em nosso
pensamento, mas agirmos com inteireza ou vermos como a coisa está em Deus,
conheceremos a coisa particular e todas as coisas e todos os homens. Pois o
Criador de todas as coisas e todas as pessoas ergue-se por trás de nós e lança
sua temível onisciência através de nós sobre as coisas.
Mas, além desse reconhecimento próprio em passagens particulares da
experiência do indivíduo, a alma também revela a verdade. E aqui devemos tentar
nos fortalecer com sua presença e falar com um tom mais digno e imponente desse
advento. Pois a comunicação da verdade sobre a alma é o evento mais elevado da
natureza, uma vez que ela não entrega algo de si, mas se entrega, ou penetra e
torna-se aquele homem a quem ilumina; ou, na proporção da verdade que ele
recebe, toma-o para si.
Distinguimos os pronunciamentos da alma, suas manifestações da própria
natureza, pelo termo Revelação. Esses são sempre acompanhados pela emoção do
sublime. Pois essa comunicação é um influxo da mente Divina em nossa mente. É
um refluxo do riacho individual diante dos vagalhões do mar da vida. Cada compreensão
distinta desse preceito central agita os homens em admiração reverente e
deleite. Um arrepio percorre todos os homens ao receberem a nova verdade ou ao
desempenharem uma grande ação proveniente do coração da natureza. Nessas
comunicações, o poder de ver não está separado da vontade de fazer, mas o insight provém da obediência, e a
obediência provém de uma alegre percepção. Todo momento em que o indivíduo se
sente invadido por ela é memorável. Dada a nossa constituição, certo entusiasmo
dessa presença divina se faz presente na consciência do indivíduo. O caráter e
a duração desse entusiasmo variam com o estado do indivíduo, de êxtase, transe
e inspiração profética – que são o aspecto mais raro – ao mais tênue brilho de
emoção virtuosa, em cuja forma aquece, como nossas lareiras domésticas, todas
as famílias e associações de homens e torna a sociedade possível. Certa
tendência à insanidade sempre se fez presente na abertura da percepção
religiosa nos homens, como se eles fossem “atingidos por um excesso de luz”. Os
transes de Sócrates, a “união” de Plotino, a visão de Porfírio, a conversão de
Paulo, a aurora de Behmen, as convulsões de George Fox e seus quakers, a
iluminação de Swedenborg são desse tipo. O que no caso dessas pessoas notáveis
foi um arrebatamento, em inumeráveis exemplos da vida comum foi exibido de
maneira menos impressionante. Em toda parte, a história da religião revela uma tendência ao entusiasmo. O enlevo dos morávios
e quietistas, a abertura da percepção interna da Palavra na linguagem da Igreja
da Nova Jerusalém, o revivalismo das
igrejas calvinistas, as experiências
dos metodistas são formas variadas daquele tremor de reverência e deleite com o
qual a alma individual sempre se mistura à alma universal.
A natureza dessas revelações é a mesma, são percepções da lei absoluta. São
soluções das próprias questões da alma. Elas não respondem às perguntas que o
entendimento faz. A alma jamais responde por palavras, mas pela coisa em si que
é indagada.
Revelação é a exposição da alma. A noção popular de revelação é de leitura
da sorte. Nos oráculos passados da alma, o entendimento procura encontrar
respostas para questões sensuais e se encarrega de dizer a partir de Deus por
quanto tempo os homens existirão, o que suas mãos farão e quem será sua
companhia, acrescentando nomes, datas e lugares. Mas não devemos arrombar
fechaduras. Temos de coibir essa curiosidade ordinária. Uma resposta em
palavras é ilusória; realmente não é resposta para as perguntas que você faz.
Não exija uma descrição dos países para os quais você navega. A descrição não
os descreve para você, e amanhã você chega lá e os conhece neles habitando. Os
homens perguntam sobre a imortalidade da alma, as atividades celestiais, a
situação do pecador e assim por diante. Até mesmo sonham que Jesus deixou
respostas exatamente para esses interrogatórios. Nem por um momento aquele
espírito sublime falou no dialeto deles. À verdade, à justiça, ao amor, aos
atributos da alma, a ideia de imutabilidade está essencialmente associada.
Jesus, vivendo nesses sentimentos morais, alheio ao destino sensual, tendo
cuidado apenas com as manifestações destes, nunca fez a separação da ideia de
duração da essência desses atributos, nem proferiu uma sílaba referente à
duração da alma. Coube a seus discípulos separar a duração dos elementos morais
e ensinar a imortalidade da alma como uma doutrina e sustentá-la por meio de
evidências. No momento em que a doutrina da imortalidade é ensinada em
separado, o homem já está caído. No fluir do amor, na adoração da humildade,
não há questão de continuidade. Nenhum homem inspirado faz essa pergunta ou
condescende a essas evidências. Pois a alma é fiel a si mesma, e o homem em
quem ela é derramada não pode vagar do presente, que é infinito, para um futuro
que seria finito.
Essas perguntas que desejamos fazer sobre o futuro são uma confissão de
pecado. Deus não tem resposta para elas. Nenhuma resposta em palavras pode
responder a uma pergunta sobre coisas. Não é em um “decreto de Deus”
arbitrário, mas na natureza do homem, que um véu cai sobre os fatos do amanhã;
pois a alma não nos dará a ler qualquer outra cifra que não seja a de causa e
efeito. Por esse véu, que cobre eventos, a alma instrui os filhos dos homens a
viver no hoje. O único modo de obter uma resposta a essas questões dos sentidos
é renunciar a toda a curiosidade ordinária e, aceitando a maré do ser que nos
faz flutuar no segredo da natureza, trabalhar e viver, trabalhar e viver, até a
alma que avança inesperadamente ter construído e forjado para si uma nova
condição, e a pergunta e a resposta serem uma.
Pelo mesmo fogo vital, consagrante, celestial, que queima até dissolver
todas as coisas nas ondas e vagas de um oceano de luz, nós vemos e conhecemos
uns aos outros, e de qual espírito cada um é. Quem pode saber os motivos de seu
conhecimento do caráter dos vários indivíduos em seu círculo de amigos? Homem
nenhum. No entanto, os atos e palavras deles não o decepcionam. Naquele homem,
embora nada de mal soubesse dele, ele não depositava confiança. Daquele outro,
embora raramente tivessem se encontrado, sinais autênticos ainda assim foram
emitidos, mostrando que ele poderia ser confiável como alguém que tinha
interesse em seu próprio caráter. Conhecemos uns aos outros muito bem – qual de
nós foi justo com ele, e se aquilo que ensinamos ou contemplamos é apenas uma
aspiração ou é também nosso esforço honesto.
Somos todos discernidores de espíritos. Esse diagnóstico ou poder
inconsciente paira sobre nossa vida. O trato da sociedade – seu comércio, sua
religião, suas amizades, suas brigas – é uma ampla investigação judicial do
caráter. Em tribunal pleno ou pequeno comitê, ou confrontados cara a cara,
acusador e acusado, os homens se oferecem para ser julgados. Contra sua
vontade, exibem as ninharias decisivas pelas quais o caráter é interpretado.
Mas quem julga? E o quê? Não o nosso entendimento. Não os interpretamos por
aprendizado ou capacidade. Não; a sabedoria do homem sábio consiste em que ele
não os julga; ele deixa que julguem a si mesmos e simplesmente interpreta e
registra seu veredito.
Em virtude dessa natureza inevitável, a vontade privada é sobrepujada, e, a
despeito de nossos esforços ou de nossas imperfeições, seu gênio falará por
você, e o meu, por mim. Aquilo que somos havemos de ensinar, não
voluntariamente, mas involuntariamente. Pensamentos entram em nossa mente por
avenidas que nunca deixamos abertas, e pensamentos saem de nossa mente por meio
de avenidas que nunca abrimos voluntariamente. O caráter ensina sobre nossa
cabeça. O índice infalível do verdadeiro progresso é encontrado no tom que o
homem assume. Nem sua idade, nem sua criação, nem companhias, nem livros, nem
ações, nem talentos, nem todos juntos podem impedi-lo de ser deferente a um
espírito superior ao seu. Se ele não encontrou sua morada em Deus, suas
maneiras, sua forma de falar, o arranjo de suas sentenças, a constituição, devo
dizer, de todas as suas opiniões, involuntariamente o confessará, não importa o
quanto ele lute. Se ele encontrou seu centro, a Deidade brilhará através dele,
através de todos os disfarces da ignorância, do temperamento hostil, das
circunstâncias desfavoráveis. O tom do buscar é um, e o tom do ter é outro.
A grande distinção entre mestres sagrados ou literários – entre poetas como
Herbert e poetas como Poe –, entre filósofos como Spinoza, Kant e Coleridge e
filósofos como Locke, Paley, Mackintosh e Stewart – entre homens do mundo, que
são considerados excelentes oradores, e um místico fervoroso, às vezes
profetizando meio louco sob a infinitude de seu pensamento –, é que uma classe
fala de dentro ou a partir da experiência, como parte e possuidora do fato; e a
outra classe, de fora, como mera espectadora, ou talvez como familiarizada com
o fato baseada em evidência de terceiros. Não adianta pregar para mim de fora.
Eu também posso fazer isso facilmente. Jesus fala sempre de dentro e em um grau
que transcende todos os outros. Nisso está o milagre. Acredito de antemão que
deva ser assim. Todos os homens permanecem continuamente na expectativa do
aparecimento de um professor assim. Mas, se um homem não fala de dentro do véu,
onde a palavra é una com aquilo de que fala, deixe-o humildemente confessá-lo.
A mesma Onisciência flui para o intelecto e constitui o que chamamos de
gênio. Grande parte da sabedoria do mundo não é sabedoria, e a classe de homens
mais iluminados é, sem dúvida, superior à fama literária, e eles não são
escritores. Entre a multidão de eruditos e autores, não sentimos a presença
santificante; somos sensíveis a um pouco de talento e habilidade, não à
inspiração; eles têm uma luz e não sabem de onde vem, e dizem que é deles
mesmos; seu talento é alguma faculdade exagerada, algum membro excessivamente
desenvolvido, de modo que sua força é uma doença. Nesses casos, os dotes
intelectuais causam a impressão não de virtude, mas quase de vício; e sentimos
que os talentos de um homem obstruem o caminho de seu progresso na verdade. Mas
o gênio é religioso. É uma absorção maior do coração comum. Não é anômalo, mas
mais semelhante aos outros homens, e não menos. Há, em todos os grandes poetas,
uma sabedoria da humanidade que é superior a quaisquer talentos que exercitem.
O autor, o perspicaz, o entusiástico, o cavalheiro elegante não tomam o lugar
do homem. A humanidade brilha em Homero, em Chaucer, em Spenser, em
Shakespeare, em Milton. Eles se satisfazem com a verdade. Eles usam a gradação
positiva. Eles parecem frígidos e fleumáticos para aqueles que foram temperados
com a paixão frenética e a coloração violenta de escritores inferiores, mas
populares. Pois eles são poetas pelo livre curso que concedem à alma formadora,
que, através de seus olhos, contempla novamente e abençoa as coisas que fez. A
alma é superior a seu conhecimento; mais sábia do que qualquer uma de suas
obras. O grande poeta nos faz sentir nossa riqueza, e então pensamos menos em
suas composições. Sua maior mensagem para a nossa mente é nos ensinar a
desprezar tudo o que ele fez. Shakespeare nos transporta para uma atividade
inteligente tão elevada que sugere uma riqueza que empobrece a dele; e então
sentimos que as esplêndidas obras que ele criou e que em outras horas exaltamos
como uma espécie de poesia autoexistente agarram a natureza real com a mesma
força que a sombra de um viajante ao passar sobre a rocha. A inspiração que se
pronunciou em Hamlet e Lear podia proferir coisas belas dia após dia, para
sempre. Por que, então, devo dar conta de Hamlet e Lear, como se não tivéssemos
a alma da qual eles saíram como sílabas da língua?
Essa energia não vem à vida do indivíduo em nenhuma outra condição que não
a possessão total. Vem aos humildes e simples, vem a quem quer que rechace o
que é alheio e orgulhoso, vem como insight,
vem como serenidade e grandeza. Quando vemos aqueles em quem ela habita,
tomamos conhecimento de novos graus de grandeza. Dessa inspiração o homem volta
com um tom modificado. Ele não fala com os homens de olho na opinião deles. Ele
os testa. Ela requer que sejamos francos e verdadeiros. O viajante vaidoso
tenta embelezar sua vida citando meu senhor, o príncipe e a condessa que assim
o disseram ou fizeram a ele. O ambicioso vulgar mostra suas colheres, broches e
anéis e conserva suas cartas e elogios. Os mais refinados, no relato de sua
experiência, selecionam as circunstâncias agradáveis e poéticas – a visita a
Roma, o homem genial que viram, o amigo brilhante que conhecem; mais adiante,
talvez, a paisagem deslumbrante, as luzes da montanha, os pensamentos da
montanha de que desfrutaram ontem – e assim procuram lançar uma cor romântica
sobre sua vida. Mas a alma que ascende para adorar o grande Deus é franca e
verdadeira; não tem lentes cor-de-rosa, nem amigos finos, nem cavalheirismo,
nem aventuras; não quer admiração, habita na hora que agora é, na experiência
sincera do dia comum – em razão de o momento presente e a mera ninharia terem
se tornado porosos ao pensamento e encharcados do mar de luz.
Converse com uma mente que é grandiosamente simples, e a literatura parece
um jogo de palavras. Os enunciados mais simples são os mais dignos de serem
escritos, bem como as coisas, é claro, ainda que tão triviais que, nas
infinitas riquezas da alma, seja como juntar alguns seixos do chão ou
engarrafar um pouco de ar em um frasco quando toda a terra e toda a atmosfera
são nossas. Nada pode se passar lá, ou torná-lo um do círculo, a não ser deixar
de lado suas armadilhas e lidar homem a homem em verdade nua, confissão franca
e afirmação onisciente.
Almas como essas o tratam como os deuses o fariam; andam como deuses na
terra, aceitando sem qualquer admiração a sua inteligência, sua generosidade,
até mesmo sua virtude – sua ação de dever, melhor dizendo, pois sua virtude é
delas como o próprio sangue, régia como elas mesmas e super-régia, e o pai dos
deuses. Mas que repreensão sua simples postura fraterna lança sobre a lisonja
mútua com a qual os autores consolam uns aos outros e se ferem! Elas não
bajulam. Não me surpreende que esses homens vão ver Cromwell, Cristina, Carlos
II, James I e o grão-turco. Pois eles são, em sua própria elevação,
companheiros de reis e devem sentir o tom servil da conversação no mundo. Devem
ser sempre uma dádiva de Deus para os príncipes, pois eles os confrontam, de
rei para rei, sem hesitação ou concessão, e dão a uma natureza elevada a
renovação e a satisfação da resistência, da humanidade franca, do
companheirismo constante e das novas ideias. Deixam os homens mais sábios e
superiores. Almas como essas nos fazem sentir que a sinceridade é mais
excelente do que a bajulação. Trate homens e mulheres com tanta franqueza que
obrigue a máxima sinceridade e destrua toda a esperança de serem frívolos com
você. Esse é o maior cumprimento que você pode prestar. Seu “maior louvor”,
disse Milton, “não é a bajulação, e seu conselho mais franco é uma espécie de
louvor”.
Inefável é a união de homem e Deus em todos os atos da alma. A pessoa mais
simples, que em sua integridade adora a Deus, se torna Deus; contudo, para todo
o sempre, o influxo desse eu melhor e universal é novo e inescrutável. Inspira
admiração e espanto. Quão cara, quão reconfortante para o homem surge a ideia
de Deus povoando o lugar solitário, apagando as cicatrizes de nossos erros e
decepções! Quando quebramos o nosso deus da tradição e cessamos o nosso deus da
retórica, então Deus pode incendiar o coração com sua presença. É a duplicação
do próprio coração, ou melhor, a ampliação infinita do coração com um poder de
crescimento para um novo infinito de todos os lados. Inspira no homem uma
confiança infalível. Ele tem não a convicção, mas a visão, de que o melhor é a
verdade, e pode nesse pensamento facilmente descartar todas as incertezas e
medos particulares e adiar para a revelação segura do tempo a solução de seus
enigmas privados. Ele tem certeza de que seu bem-estar é caro ao coração do
ser. Na presença da lei em sua mente, ele é inundado por uma confiança tão
universal que arrasta embora todas as esperanças acalentadas e os projetos mais
estáveis da condição
mortal em sua aluvião. Ele acredita que não pode escapar do seu bem. As coisas que são realmente para você gravitam para você.
Você está correndo em busca de seu amigo. Deixe que seus pés corram, mas sua
mente não precisa. Se você não o encontrar, não vai concordar que é melhor não
encontrá-lo? Pois há um poder que, assim como está em você, está nele também e
poderia, portanto, muito bem uni-los, se fosse o melhor. Você se prepara
ansioso para ir prestar um serviço para o qual seu talento e seu gosto o
convidam, o amor dos homens e a esperança da fama. Não lhe ocorreu que você não
tem o direito de ir, a menos que esteja igualmente disposto a ser impedido de
ir? Ó, acredite, enquanto viver, que todo som que é falado ao redor do mundo,
que você deve ouvir, vibrará em seus ouvidos! Todo provérbio, todo livro, todo
epítome que lhe pertence para ajuda ou conforto seguramente voltará para casa
por meio de passagens abertas ou sinuosas. Todo amigo que não sua vontade
fantasiosa, mas o grande e terno coração em você desejar, haverá de prendê-lo
em seus braços. E isso porque o coração em você é o coração de todos; não há
uma válvula, nem uma parede, nem um cruzamento em qualquer lugar da natureza,
mas um só sangue que corre ininterruptamente em uma circulação sem fim através
de todos os homens, como a água do globo é toda um só mar e, vista de forma
verdadeira, sua maré é uma só.
Que o homem, então, aprenda de coração a revelação de toda a natureza e
todo o pensamento; a saber, que o Altíssimo habita com ele; que as fontes da
natureza estão em sua mente, se o sentimento do dever estiver ali. Mas, para
saber o que o grande Deus fala, ele deve “entrar em seu aposento e fechar a
porta”, como Jesus disse. Deus não se manifestará aos covardes. Ele deve ouvir
muitíssimo a si mesmo, afastando-se de todos os sotaques da devoção de outros
homens. Até mesmo as preces deles lhe são prejudiciais até ele ter feito a sua.
Nossa religião se apoia de modo vulgar no número de crentes. Sempre que o apelo
é feito – não importa o quão indiretamente – aos números, a proclamação feita
naquele exato instante é que religião não é. Aquele que considera Deus um doce
e envolvente pensamento nunca conta seus acompanhantes. Quando me encontro
nessa presença, quem ousará entrar? Quando repouso em perfeita humildade,
quando queimo de puro amor, o que Calvino ou Swedenborg podem dizer?
Não faz diferença se o apelo é aos números ou a um. A fé que se baseia na
autoridade não é fé. A confiança na autoridade mede o declínio da religião, a retirada
da alma. A posição que os homens deram a Jesus, já há muitos séculos de
história, é uma posição de autoridade. Ela os caracteriza. Não pode alterar os
fatos eternos. Grande é a alma, e franca. Não é bajuladora, não é seguidora;
nunca apela. Ela acredita em si mesma. Diante das imensas possibilidades do
homem, toda a mera experiência, toda a biografia passada, por mais imaculada e
santa que seja, recua. Diante daquele céu que nossos pressentimentos predizem,
não podemos louvar facilmente qualquer forma de vida que tenhamos visto ou
sobre a qual tenhamos lido. Não apenas afirmamos que temos poucos grandes
homens, como também falamos categoricamente que não temos nenhum; que não temos
história, nenhum registro de qualquer caráter ou estilo de vida que nos
contente por inteiro. Os santos e semideuses que a história adora somos
obrigados a aceitar com um grão de tolerância. Embora em nossas horas
solitárias retiremos uma nova força da memória deles, ainda assim, impingidos à
nossa atenção, como são pelo descuido e pelo costume, eles fatigam e invadem. A
alma se entrega, sozinha, original e pura, ao Solitário, Original e Puro, que
nessa condição alegremente habita, conduz e fala por meio dela. Ela então é
alegre, jovem e ágil. Não é sábia, mas vê através de todas as coisas. Não é
chamada de religiosa, mas é inocente. Ela chama a luz de sua e sente que a
grama cresce e a pedra cai por uma lei inferior a e dependente de sua natureza.
Contemple, diz ela, eu nasci na grande mente universal. Eu, a imperfeita, adoro
minha Perfeição. Sou de algum modo receptiva à grande alma, e assim sendo
negligencio o sol e as estrelas, e sinto que são os graciosos acidentes e
efeitos que mudam e passam. Cada vez mais as ondas da natureza eterna entram em
mim, e me torno pública e humana em meu aspecto e ações. Então venho a viver em
pensamentos e agir com energias que são imortais. Assim reverenciando a alma e
aprendendo, como os antigos disseram, que “sua beleza é imensa”, o homem virá a
ver que o mundo é o perene milagre que a alma opera, e ficará menos surpreso
com maravilhas particulares; ele aprenderá que não há história profana, que
toda história é sagrada, que o universo está representado em um átomo, em um
momento do tempo. Ele não mais tecerá uma vida manchada de farrapos e remendos,
mas viverá com uma unidade divina. Ele cessará o que é vil e frívolo em sua
vida e ficará contente com todos os lugares e com qualquer serviço que possa
prestar. Ele irá enfrentar o amanhã calmamente, na negligência daquela
confiança que carrega Deus consigo, e assim já tem todo o futuro no fundo do
coração.