quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Krishna controla

Fiz essa foto (e outras) ontem à noite, ao voltar do centro budista.
Eu havia prometido isso há meses para um amigo indiano do orkut, e decidi honrar minha palavra. Não poderia ter escolhido momento mais apropriado, as fotos acabaram sendo um presente de Diwali para ele, que rezou uma prece para minha mãe durante o festival. Uma coisa tão simples causou grande (e singela) felicidade para outra pessoa.
Fazia anos que eu não vestia um saree. Tenho vários, dos tempos em que freqüentei o templo do movimento Hare Krishna.
Krishna é outra deidade com a qual tenho uma linda conexão. E tenho esse recanto dedicado a ele na minha sala. E tenho quadros de Krishna, Shiva e Vishnu espalhados. E ainda na minha sala tenho um recanto budista em cima da TV. E um outro recanto com deidades variadas, indianas e cristãs. Sou uma adepta do Rime por natureza. Respeito e reverencio todas as manifestações de fé, embora não tenha conexão com tradições monoteístas.
Dois episódios mágicos de minha vida aconteceram na conexão com Krishna.
Fui pra Miami e fiquei num flat em Coconut Groove. Mal cheguei já fui passear. Entrei num mall, vi uma loja com camisetas e fui comprar uma pra minha filha. A atendente estava conversando com um devoto de Krishna. Aí já aproveitei pra engatar um assunto com ele. Saí falando em inglês, disse que era amiga de Krishna, perguntei onde ficava o templo de Miami, se tinha restaurante Govinda. Tinha, e era pertíssimo de onde eu estava. Aí o devoto me perguntou de onde eu era. "Brasil". E ele começou a falar em espanhol, era argentino. E o mais notável é que havia morado em Porto Alegre e Caxias, e conhecia vários de meus amigos devotos. Foi demais! Fui ao templo, almocei no restaurante, e foi tudo bem bom.
Em outra ocasião fui pra Buenos Aires. Como sempre, larguei as coisas no hotel e fui pra rua. Eu estava no centro, aí fui pra La Florida. Caminhei toda a rua até a praça San Martin. Estava morta de fome, e só via lugares altamente carnívoros. Aí na galeria diante da praça vi uma loja que vendia mel e própolis. Entrei e perguntei pra senhora atendente se ela conhecia algum restaurante vegetariano. Ela disse que sim, que tinha um logo ali. Mas eu não conseguia atinar a direção, porque não entendia o que ela falava (sou um fiasco em espanhol - consigo entender se falam devagar, e consigo ler, mas falar... em Buenos Aires cheguei a ter que falar em inglês, que vergonha...). A senhora cansou de tentar explicar, me pegou pelo braço, saiu da loja, andou uns metros comigo e me largou na porta do restaurante, na mesma galeria. E era o restaurante de um devoto de Krishna! Fui lá todos os dias da estada em BsAs, fiquei amiga do dono e da mãe dele.
Na época em que essas coisas aconteceram eu era lacto-vegetariana, não comia nem peixe, nem frango, ao contrário de agora. Os devotos dizem: "Krishna controla." E realmente ele controlou e cuidou de mim nitidamente nessas duas ocasiões.
Fui vegetariana de 82 a 98. O fato de ter incluído animais em minha dieta outra vez obscureceu minha conexão com Krishna, e isso me entristece. Sinto vontade de parar, mas me habituei com a praticidade de ingerir esse tipo de proteína. É prático inclusive em termos sociais, ser vegetariana causa um transtorno pras outras pessoas, que nunca sabem bem o que oferecer. E meu corpo se habituou com a proteína animal de novo. E, com meu volume de treino, se cortar a proteína animal terei que caprichar na dieta e na suplementação - e eu não tenho a menor disposição pra fazer isso, não sou de ficar matutando cardápios mirabolantes. Minha alimentação, aliás, é cada vez mais simples.

Mérito

Saí pra correr 20km hoje, porque não tinha feito no fíndi, porque choveu sem parar, e quando parou eu estava com minha mãe e minha filha e afim de ficar em casa com elas. No domingo eu estava cansada, tinha ido deitar às 7h30, hora em que costumo levantar, depois de passar a noite dançando.
Fiz os 20km em 1:40. Na boa, sem cansaço e sem baixo astral. Cheguei e fui tomar um banho (correndo), queria levar a mãe ao dentista. Enquanto me preparava para entrar no chuveiro, me veio (de novo) a percepção do quanto sou afortunada por ter um corpo tão funcional. Quantas pessoas no mundo têm condições de sair pra correr 20km assim, tão casualmente? Me alegro imensamente por ser capaz de fazer isso, por ter saúde e disposição. Vejo isso como um mérito e transbordo de alegria. Porque me faz bem, me faz feliz, e posso dedicar essa alegria e felicidade a todos os seres.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Meu altar

Essa é uma parte muito especial de minha casa.
Meu altar reúne imagens budistas de grande significado para mim - Samantabhadra, Vajradhara, Prajnaparamita, Sua Santidade o Dalai Lama, Padmapani e meu lama Padma Samten, além do Buda Shakyamuni - e é enfeitado com cristais e rochas. Faço prostrações diariamente, ao acordar e antes de deitar, e recito as preces de refúgio e de bodhicitta. Às vezes faço de má vontade, que vergonha, mas faço.
Houve períodos em que não fiz, em que deixava o altar fechado, às moscas. Mas espero que essa fase de relaxamento espiritual não volte a acontecer - até porque ela sempre acarreta oscilações em todo o resto de minha vida. Me sinto muito mais estável em meu estado natural de felicidade e alegria quando estou bem conectada à atividade espiritual. Tudo flui melhor - mesmo quando dá tudo errado, hehehe.
Mudei meu altar de lugar há cerca de dois meses. Antes ele ficava espremido em uma prateleira de uma estante de metal. Aí tive a brilhante idéia de espalhar tudo em cima da lareira.
No recuo da lateral esquerda, há duas estátuas de gatos, e um armarinho com pequenas estátuas de egípcios. Não fazem parte do altar, mas estão por ali, e me parece natural, tendo em vista o quanto gosto de gatos e o quanto fui egípcia (e ainda sou).
À direita, tenho o que um amigo denominou de "Reino da Mãe Oxum". Porque sou uma budista batuqueira, tenho uma forte conexão com a Nação e com os orixás, especialmente com Oxum, senhora minha mãe. No recanto dedicado à Senhora Mãe coloquei uma fonte. Adoro fontes, gosto do som e do movimento da água. Ver a água correr, até no chuveiro, me conecta instantaneamente ao presente e à impermanência do samsara, à impossibilidade de se agarrar a qualquer experiência. A fonte tem tudo a ver com Oxum, dona da água doce, das cachoeiras. O som dessa fonte me faz lembrar do riso de Oxum numa cachoeira e do tilintar de suas muitas pulseiras enquanto ela dança, se penteia e se olha no espelho.
Meu altar fica no ambiente onde estão minha cama e meu escritório. Durmo e trabalho com essa energia.

sábado, 25 de outubro de 2008

Chove chuva

Outro sabadão chuvoso. Da última vez que postei aqui estava mais ou menos a mesma coisa.
E eu estava mais ou menos no mesmo mood preguiçoso, marcha-lenta.
Mas aconteceram montes de coisinhas desde então.
Uma delas foi a geral médica a que me submeti depois de uns dias me muito mal-estar, iniciados exatamente na semana do post anterior. Fiquei ultra-indisposta, não corri durante uma semana inteira, trabalhei pouco, estava me arrastando. Os exames mostraram que meu corpo estava apenas refletindo um surto de instabilidade emocional/espiritual.
No emocional, a doença de minha mãe estava taxando meus nervos severamente. Desde abril/maio eu estive tão ocupada tratando de questões práticas que nunca me permiti sentir a dor e o medo que a situação me causa. A pessoa que cuidou de mim nessa vida não vai mais cuidar, agora eu cuido dela. Houve a inversão de papéis, me tornei a mãe de minha mãe. Isso desencadeou uma espécie de síndrome de pânico. Mas o medo de morte não era do ego em si, era o medo da morte de minha mãe. Medo infantil de ficar sozinha, desamparada. Além do medo adulto de ter que dar conta de cada vez mais coisas. Em uma única sessão com minha ex-terapeuta consegui integrar tudo isso e dissipar a enorme pressão interna. Foi olhar pra dentro de mim e tudo clareou.
No espiritual foi a mesma coisa. Olhar pra dentro. Ouvir meu coração e minha intuição.

sábado, 11 de outubro de 2008

O original

Uma coisa leva a outra.
De Chris Isaak, me atirei nos posts de Roy Orbison no youtube. Isso sim é cantar.
Sim, sim, eu gosto de coisas muito duvidosas, umas cantorias que estão mais pra miado, mugido, latido, cacarejo, grasnado. Mas tenho noção pra discernir uma coisa da outra. :)

The devastatingly handsome

Saí da cama nesse sábado chuvoso em que tenho 18km para fazer sem a presença de mi amor de treinador, que foi pro Rio de Janeiro acompanhar parte de sua equipe na meia-maratona, e fiz minhas prostrações com "Piece of Me", de Britney Spears, ao fundo (estou num surto com essa música). Estava no i-Tunes, na minha coleção de pop, e logo depois veio "Primeiro Instante", de Jimi Joe, que ouvi duas vezes direto, amo, amo. Enquanto esquentava o leite em minha nova e fabulosa aquisição - um microondas!!!, coisa que nunca havia tido até segunda-feira passada - ouvi "The Only One I Know", dos Charlants", e "Would I Lie to You Baby", de Charles & Eddie.
E aí veio ele, um de meus favoritos ever. "Ladies and gentlemen, the devastatingly handsome Chris Isaak!" Foi como ele foi anunciado num show em homenagem a Smokey Robinson, onde cantou "My Girl". Devastadoramente bonito, de fato. E devastadoramente adorável. "My Girl" eu vi no youtube há pouco, no i-tunes ouvi a preciosa "One Day", do álbum "Always Got Tonight", que só tenho no computador, e que fiquei ouvindo até entrar no youtube pra pegar um vídeo pra postar aqui.
Meu ex-marido sempre diz que não tenho o direito de gostar de Chris Isaak e Roy Orbison porque de modo geral abomino o rock, o folk e whatever dos anos 60/70, com exceção de Led Zeppelin e Jimi Hendrix, e sou muito mais ligada em música negra e eletrônica. Mas a questão é que sou apaixonada pela música americana dos anos 50 pra trás. E Chris Isaak é muito anos 50.
Gosto de Chris Isaak e Roy Orbison pelos mesmos motivos: a simplicidade, a suavidade com que cantam, parece uma coisa tão natural pra eles. Eles têm um jeito singelo, meigo, doce, cantam suas músicas de corações partidos e amores perdidos com uma voz que vem da alma. Soam sinceros, verdadeiros.
Essas duas canções de Roy Orbison cantadas por Chris Isaak ilustram exatamente o que eu admiro em ambos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Macaco louco

Fiz o post sobre shamata hoje de manhã, após ter sentado (em tentativa de meditação) por uns 15 minutos. A tradução do texto de Kalu Rinpoche eu havia feito ontem à noite.
Depois fui treinar. E lá na pista o macaco começou a saltitar loucamente, carregando o elefante. O treino foi pesadíssimo - o mais pesado que fiz até hoje, 10 x 600m + 200m. E ali pela metade a mente começou a surtar. Ficava achando que não ia dar, pensava: "Bem, vou fazer mais lento." Mas fiz tudo dentro, não quebrei nenhum tiro, apesar das micagens mentais. A mente elaborava uma paisagem, mas o corpo estava noutra. E o corpo não ficaria tão exausto se a mente não se agitasse tanto e não desperdiçasse tanta energia jogando contra.
Depois dessa performance mental, entendi por que minha atenção havia se voltado para o diagrama de shamata há uns dias. É exatamente do que estou precisando.

Shamatha

As imagens e o texto abaixo descrevem a meditação shamatha, ou permanência serena, que consiste basicamente em liberar a mente da agitação e da obtusidade, trazendo-a para um estado de repouso pacífico e alerta. O texto é do livro de Kalu Rinpoche.
Estou numa fase de domar a mente, seja ela um elefante ou um cavalo. :)


Essa ilustração é a reprodução de um desenho tibetano que representa nove cenas, os nove estágios do caminho de shamatha.
Há dois personagens: o homem, ou sujeito meditante, o observador; e o elefante, que representa sua mente. Para desenvolver shamatha, a mente usa duas ferramentas: a atenção e a recordação. A machadinha afiada representa a acuidade da atenção vigilante, e a corda com um gancho é a lembrança da prática. Visto que muitas distrações interrompem seu estado alerta e vigilante, o meditante deve retornar a ele por meio de lembranças constantes. A vigilância é a acuidade na base da meditação, e a recordação assegura sua continuidade. O estado de shamatha tem dois obstáculos principais: o primeiro é a agitação ou dispersão criada pela fixação em pensamentos e emoções passageiros; o segundo é o torpor ou moleza, a obtusidade mental. O torpor é representado pela cor preta do elefante, e a agitação pelo macaco. O fogo que diminui ao longo do caminho representa a energia da meditação. Conforme avançamos, a prática requer menos e menos esforço.
As seis curvas ou voltas no caminho marcam seis platôs sucessivamente dominados pelas seis forças da prática: ouvir as instruções, assimilá-las, lembrar-se delas, vigilância, perseverança e hábito perfeito. Ao lado da estrada há diferentes objetos: um lenço, algumas frutas, uma concha cheia de água perfumada, pequenos címbalos e um espelho, representado os objetos dos sentidos: objetos tangíveis, sabores, odores, sons e formas visuais que distraem o meditante, que se desvia do caminho de shamata ao ir atrás deles.

(1) Na base da ilustração, no primeiro estágio, há uma distância bem grande entre o meditante e sua mente. O elefante da mente é guiado pelo macaco, ou sua agitação. O grande fogo mostra que a meditação requer um monte de energia. Os obstáculos são os piores possíveis; tudo está preto.

(2) No segundo estágio, o meditante chega mais próximo do elefante devido à atenção. O macaco — a agitação — ainda conduz a mente, mas o ritmo diminui. A obtusidade e a agitação diminuem; algum branco infiltra-se no preto do elefante e do macaco.

(3) No terceiro estágio, o meditante não mais caça a sua mente: agora estão cara a cara. O macaco ainda está à frente, mas não conduz mais o elefante. O contato entre o meditante e a mente é estabelecido pela corda da recordação. Ocorre uma forma sutil de obtusidade, representada pelo coelhinho. A escuridão da obtusidade e da agitação diminui.

(4) No quarto estágio, o progresso torna-se mais claro, e o meditante chega ainda mais perto do elefante. A brancura do macaco, do elefante e do coelho aumenta. A cena torna-se mais calma.

(5) No quinto estágio, a situação inverte-se. O meditante conduz o elefante da mente com a atenção e recordação contínuas. O macaco não conduz mais, porém o coelho ainda está lá. A cena adquire ainda mais clareza. Em uma árvore próxima, um macaco branco pega uma fruta branca. Isso representa a atividade da mente de se engajar em ações positivas. Apesar de essas ações normalmente precisarem ser cultivadas, ainda há distrações no contexto da prática de shamata; é por isso que a árvore é preta e está fora do caminho.

(6) No sexto estágio, o progresso está mais definido. O meditante conduz, e a recordação é constante; ele não tem mais que colocar sua atenção na mente. O coelho se foi, e a situação torna-se cada vez mais clara.

(7) No sétimo estágio, a cena torna-se muito pacífica. A caminhada não mais requer direção. A cena torna-se quase que completamente transparente. Umas poucas manchas pretas indicam pontos de dificuldade.
(8) No oitavo estágio, o elefante anda domado com o meditante. Não há virtualmente mais nenhum preto, e a chama do esforço desapareceu. A meditação tornou-se natural e contínua.
(9) No nono estágio, mente e meditante estão completamente em repouso. São como velhos amigos acostumados a estar juntos calmamente. Os obstáculos desapareceram, e shamatha é perfeita.
As cenas seguintes, sustentadas pelo raio de luz que emana do coração do meditante, representam a evolução da prática no coração desse estágio de shamatha. A realização de shamatha é caracterizada pela experiência de alegria e radiância, ilustrada pelo meditante voando ou cavalgando sobre as costas do elefante.
A última cena refere-se às práticas combinadas de shamatha e vipashyana. A direção é invertida. Mente e meditação estão unidas; o meditante senta-se escarranchado na mente. O fogo revela uma nova energia, a da sabedoria, representada pela espada flamejante da sabedoria transcendente, que corta os dois raios negros das aflições mentais e da dualidade.

Kalu Rinpoche, Luminous Mind: The Way of the Buddha (Mente Luminosa: O Caminho do Buda)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

30 de Setembro - Dia do Tradutor

Foi ontem, mas eu estava ocupadíssima - concluindo uma tradução.
Eu nem sabia dessa data, mas um amigo mandou e-mail me cumprimentando.
Como tradutora, quero ser como Marpa!!!
Marpa Lotsawa, ou Marpa o Tradutor (1012-1097), foi um dos grandes lamas budistas tibetanos. Visitou a índia várias vezes, e lá recebeu transmissões de ensinamentos de Naropa e Maitripa, entre outros. Foi o sucessor de Naropa, e teve o grande Milarepa como discípulo.
Marpa era de uma família abastada, e não seguiu a vida monástica; manteve-se casado e cuidando dos negócios.
Marpa foi fundamental na transmissão do Buddhadharma no Tibete, dedicando-se por muitos anos a traduzir as escrituras budistas do sânscrito para o tibetano.