quinta-feira, 13 de março de 2014

Um ano

Lembrei por acaso, perto do meio-dia, pouco antes de sair de casa pra almoçar.
Hoje faz um ano que levei a mãe pra uma clínica. Um momento crucial que eu sempre soube que chegaria.
Desde então minha vida prática ficou mais fácil de organizar. Não preciso mais saber de tudo que acontece, não preciso tomar pequenas decisões. Não preciso me preocupar. Precisar não precisa. Como budista sei que se preocupar com o que quer que seja é apenas perda de tempo. Mas... mas...
Eu me faço de louca, eu simplesmente evito pensar. Porque, quando penso, me sinto mal. Mal é um eufemismo. Me sinto mal por não visitar com frequência, eu simplesmente não quero mais ir lá, não quero ver, não suporto mais o inferno da demência, ver minha mãe me causa uma sensação nauseante de dor, aflição, impotência e raiva. Raiva dela, raiva de mim por sentir raiva dela, que não é raiva dela, é raiva dessa situação que simplesmente é como é. Uma talidade que me causa tamanho desconforto que, enquanto escrevo isso, vem a vontade de morder os dedos, que ultimamente é mínima.
A raiva, a aflição, a sensação de ser obrigada a fazer o que não quero, essa avalanche de emoções perturbadoras não são grande coisa perto do que existe por baixo, que é o cerne do inferno em que me aprisiono: a mais vasta tristeza. A doença de minha mãe me causa sofrimento extremo não por eu ter que cuidar dela, e visitar, e me preocupar. Eu sofro por vê-la se desintegrar. Desde abril de 2008.
Quando olho pra essa situação com mais lucidez, quando deixo de me fazer de louca, meu inferno particular se desfaz. Não estou num nível evolutivo de não sofrer com a doença de minha mãe, de aceitar com equanimidade, mas consigo me apaziguar por saber que estou fazendo o melhor que posso e por perceber claramente que tenho sim um bom coração e uma boa motivação. Eu posso espernear e ter raiva por ter que arcar com uma coisa tão pesada, mas no fundo eu faço com o melhor coração possível. Faço porque quero, não porque sou obrigada. Cuidar da minha mãe nunca foi um dever moral para mim. É uma necessidade, eu diria. Uma necessidade minha. Intrínseca. Tipo comer, dormir. Trabalhar, treinar. Cuidar da mãe. Faz parte do que eu sou.
Sinto compaixão por ela e por mim mesma, e aceito minhas limitações para lidar com as coisas como elas me parecem dentro de minha visão condicionada. Aceito meu medo, insegurança, raiva. E solto tudo isso.

A vista da sacada do apartamento de minha mãe na praia. Passei vários dias lá nesse verão - uma experiência importante. E muitas vezes olhei o mar desse ângulo e pensei nas vezes em que minha mãe fez o mesmo. Primeiro ainda lúcida, quando ia pra praia com a gata Bibi, sozinha, dirigindo. Depois já doente.
Fiz uma limpa no apartamento, joguei muitas coisas fora. E me emocionei ao habitar um ambiente de minha mãe, no qual ela não irá mais.
Estou esvaziando o apartamento daqui também. Falta pouco.

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