Desde domingo, o flash me atormenta. Pela primeira vez, vi nitidamente o sofrimento nos olhos de minha mãe. Um lampejo, um vislumbre do sofrimento causado pela doença, pela confusão mental cada vez maior. Agitação, ansiedade. Carência. Nunca vou esquecer daquele instante. O chão sob meus pés fendeu-se mais um pouco e tremeu; dentro de mim uma nova dilaceração. O que eu fiz? O que eu faço sempre desde 2008. Ignorei as minhas sensações e as dela, e fui buscar alguma solução paliativa. Dei as costas para o olhar triste e atormentado, fui atrás do médico para tentarmos um novo ajuste da medicação.
Eu fico firme, mantenho o foco. Mas tem preço. E está custando cada vez mais. Eu sinto no trabalho, no sono (e na falta dele) e na corrida. Hoje a pista foi de novo muito difícil. Especialmente depois de conversar com o treinador entre os tiros e enumerar os motivos para estar tão fraca ultimamente: a menstruação anormal de duas semanas, uma retenção de 3 litros de líquido, um surto de alergia forte. E acima de tudo e potencializando tudo a mãe. A degeneração mental e física que assisto desde 2008. Ao conversar com Átila, que me conhece tão bem, olhei para o que estava dentro de mim desde domingo. O flash daquele olhar. Átila, Juliano e André me deram a maior força no treino e depois. Fiz quatro séries, Átila suspendeu a última.
Vim pra casa. No banho veio a lucidez. Dentro da experiência budista, vi minha mãe no reino dos fantasmas famintos no domingo. Foi isso que me perturbou tanto. Agora, a meta possível é trazê-la para o reino dos animais e nele mantê-la o mais confortável possível.
No retiro do final de semana, sobre o Sutra do Diamante, meu lama foi questionado por um aluno sobre o que o perturbava mais na experiência do samsara. O lama disse que era o contato com pessoas com doenças mentais, pois o sofrimento delas o toca profundamente. Se é difícil para o lama, que dirá para mim. Voltei do Cebb com um conselho do lama sobre como lidar com a condição de minha mãe. E o conselho de meu professor perfeito encaixou-se perfeitamente com o insight sobre o reino dos fantasmas famintos e dos animais. A ideia é eu manter minha mente tranquila e conectada ao Dharma, e tentar atrair a mente de minha mãe de modo não cognitivo. Se não tiver efeito sobre ela, ao menos me manterá estável.
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