Minha vida não mudaria se eu continuasse não gostando de cheesecake. Mas não gostar de feijão sempre foi limitador. Quando criança, feijão com arroz se tornou uma experiência traumática. Assim como canja de galinha. O problema não era o gosto, descobri depois de adulta. Eram os ingredientes.
Minha avó e mãe colocavam pedaços de porco no feijão. Eu tinha horror daqueles troços repugnantes, ossos, cartilagens, gordura. Tenho gravada na mente a imagem repulsiva de um pedaço de orelha de porco sendo pinçado da terrina por uma delas em um almoço, com uns pelinhos visíveis. Eu detestava feijão com arroz. Ficava de castigo na mesa até comer a combinação insuportável. Na verdade, ficava lá sentada e não comia até ser liberada da tortura.
A canja era outro espetáculo dantesco, com pés e pescoços de galinha que eram saboreados pelos outros enquanto eu só tinha vontade de sair correndo e não ter que ver aquela chupação de ossinhos. O aspecto do caldo, com aquelas manchas de gordura em meio à água também não me entusiasmava nada, nada a comer. Só descobri que canja podia ser muito, muito diferente - e uma delícia - com quase 40 anos, em uma casa de religião de matriz africama. Eu disse pra mãe-de-santo que não gostava de canja, ela disse que eu tinha que experimentar a dela. Por Oxum! Que canja. Sem bolotas de gordura, só carne de galinha bem desfiadinha, arroz e tempero verde. As melhores canjas de comi na vida foram nas casas de santo. Foi onde descobri a canjica branca e amarela também. Outro manjar. Vou veganizar as canjicas neste inverno.
Feijão eu tentei voltar a comer depois dos 18 anos. Feijão preto não. Tentei o azuki e outros. Até comia, mas por obrigação. Não gostava. E não sabia fazer. Nem me interessava em aprender. Larguei de mão e fiquei só na lentilha, que amo.
Nesta quarentena, sabe a deusa por que, senti vontade de comer feijão preto. Até hoje não senti vontade de comer feijão nem vinte vezes no total. Comprei feijão preto orgânico em minha primeira ida à Feira Ecológica do Menino Deus. Pesquisei como fazer, consultei as amigas e fiz meu primeiro feijão em mais de dez anos. Ficou gostoso, mas aguado.
Fiz de novo na semana passada. E agora posso me considerar mestra no feijão preto. Ficou perfeito. Feijão me deixava estufada e com gases, o que era mais um motivo pro ranço. Meus feijões não causaram nada disso. Molho de 12 horas, trocando a água na metade do tempo pra eliminar bem os fitatos, resolve esse problema. Depois é só cozinhar na panela de pressão com folhas de louro. Sal eu só coloco depois de pronto.
Do feijão para a feijoada vegetariana foi pra já. Fiz ontem. Refoguei bem uma cebola com bastante óleo, depois adicionei tofu defumado e linguiça calabresa de soja e refoguei também. Adicionei ao feijão com cebolinha, mais inhame e batata-doce cozidos. Era o que eu tinha em casa, Resultado divino.
Enquanto narrava a saga redentora do feijão lembrei que tudo na verdade começou com vontade de comer farofa. Adoro farofa. E não sei de muita coisa que combine com farofa além de feijão. (Na real, não sei de nenhuma outra coisa. Já comi com peru, mas não é tão bom.) Bom, fiquei com tanta vontade de comer farofa que veio a vontade de comer feijão. Só que senti que farofa pronta não era exatamente o que me agradaria. Muito tempero químico, muito conservante, eu sinto o gosto artificial. Concluí que estava na hora de aprender a fazer farofa. Foi exatamente como no caso do feijão. A primeira ficou meio sem graça. Mas as duas seguintes ficaram um espetáculo.
Minha filha achou estranho, mas tô curtindo farofa de gengibre. Coloco montes de dentes de alho pra refogar, depois acrescento uma generosa quantidade de gengibre picadinho. E então a farinha de mandioca, fico mexendo até dourar bem. Depois de pronta acrescento o sal.
Hoje vou fazer mais farofa pra acompanhar a feijoada. Arroz não. Feijão com arroz ainda não. Talvez daqui a pouco ou mais adiante.