Crystal clear memory.
Eu estava no CETE, o dia estava cinzento. Como hoje.
Antes eu havia levado a mãe pra primeira consulta com o neurologista a quem confiaria a saúde dela a partir daquele momento. Eu havia ficado horrorizada com o desempenho dela no Minimental. Na frente dela não falamos muito.
Mas não aguentei. Deixei a mãe na casa dela, onde morava sozinha, independente.
Fui pro CETE treinar. E de lá telefonei pro médico.
"Estou muito preocupada com a minha mãe", eu disse.
"Eu também", respondeu Francisco Rotta. E, quando ele falou isso, tão sincero, tão direto, fiquei surpresa com a franqueza, mas não com o significado.
Eu já sabia que era Alzheimer. Meus sensores haviam disparado quando ela voltou da praia.
Rotta disse que faríamos os exames para excluir outras possibilidades, mas que ele realmente achava que era.
No dia 28 de março passado, Rotta foi ver a mãe na clínica. É com ele que eu converso quando me angustio ou me desespero. É para ele que eu tenho perguntado o que esperar, o que fazer e como fazer ao longo desses longos anos.
Rotta achou que minha mãe está muito bem dentro da sua condição. E está mesmo. Eu sei, Eu sinto. Ele também avaliou que ela não sofre mais.
E me disse o que eu já sei: que ela não está mais ali. Foi uma conversa muito interessante e reconfortante. Expliquei meu ponto de vista como budista, de que a consciência grosseira de minha mãe está se dissolvendo na consciência substrato, alayavijnana. É isso que acontece na morte. No meu entendimento, Alzheimer é uma espécie de bardo da morte com o corpo ainda funcionando. (Tenho que perguntar sobre isso para o meu lama.) Rotta comentou que o que define morte hoje é a cessação da atividade cerebral. Pelo ponto de vista da ciência, minha mãe está morrendo aos poucos, à medida que o cérebro dela se deteriora. Para ele, minha visão está ok.
Enfim, não é mais minha mãe. A consciência daquela que foi minha mãe já se dissolveu. Ela não lembra mais de quem ela foi. Ela tem uma percepção momento a momento de si mesma e de todos os fenômenos que percebe. Ela percebe cada vez menos a si mesma e o mundo externo.
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