Sempre detestei dia das mães.
Quando criança, ouvia o discurso (e o silêncio eloquente) e via a realidade de minha mãe por ser mãe e pai, sacrificando-se e tendo uma vida horrorosa (que ela parecia impor a si mesma, incapaz de se permitir ser feliz, incapaz de ver que poderia fazer tudo diferente, que só dependia dela), trabalhando feito louca para sustentar duas filhas e morando com os pais. Nunca vou saber por que minha mãe quis ter filhos. E por que (como disse minha irmã mais nova um dia) ainda foi ter duas filhas num casamento péssimo (e efêmero, pelo menos). Na verdade, nem sei por que minha mãe casou com meu pai. Imagino que casar e ter filhos pra ela não fosse opcional. Era uma questão social.
Para minha mãe, a maternidade pareceu significar unicamente trabalho, sacrifício, obrigações. Comemorar o quê?
Como filha adulta, era um tormento ter que pensar em presente e no célebre almoço com a mãe com quem sempre tive enormes dificuldades e que nunca consegui agradar (a não ser quando pari a neta com quem ela enfim conseguiu experimentar amor, dar e receber amor). E ainda tinha o aniversário dela em seguida. Maio era foda.
Minha mãe não era uma mãe amorosa. Eu não era uma filha amorosa. Essa data só servia para avivar meu profundo desconforto (e sofrimento) com nosso complicado relacionamento. O desconforto cessou quando me tornei mãe da minha mãe, cuidando e tentando proporcionar felicidade, alegria ou pelo menos o conforto possível. Secando gelo.
Perversa e ao mesmo tempo
redentoramente, nos últimos anos de minha mãe conseguimos fazer
festinhas bacanas, que ela curtiu. São as memórias que me consolam, os
churrascos na casa do ex-namorado e do meu tio, algumas idas a
restaurante, ela feliz (ou algo assim). Quando ela sorria e conversava
eu ficava radiante. Radiante como as mães ficam ao ver os filhos
felizes.
Em 2015, o derradeiro dia das mães da filha Lúcia. Eu sabia que ela estava morrendo - e mal podia esperar para que morresse logo, porque eu sabia/sentia que ainda restava algo de consciência nela que sofria, e não havia mais nada que eu pudesse fazer, que ninguém pudesse fazer, e o corpo dela definhava cada vez mais rápido, e eu me horrorizava com a ideia de que ela ainda por cima sentisse alguma dor física. Achei que ela talvez morresse no dia das mães. Não. Passou.
Morreu em seguida. No amanhecer do dia do aniversário. 15 de maio.
Talvez eu nunca tenha amado minha mãe como filha, não tenho clareza sobre isso, talvez nunca tenha. Mas talvez tenha amado como mãe. Ou algo assim.
Love bizarre.
O que eu sei com certeza é que, para o bem e para o mal, minha mãe foi uma poderosa influência. E sou grata de todo o coração (mente/coração) por tudo. A ela dedico todos os meus méritos.