Minha mãe e eu estamos nos adaptando à clínica. Aos poucos.
Ontem fui lá ao meio-dia, ela ainda estava dormindo. Acordei-a, e a cuidadora deu almoço pra ela na cama mesmo. Na sexta-feira, pela primeira vez, eu não tinha visto minha mãe naquela que ela é agora. Foi uma experiência perturbadora, era apenas uma pessoa em estado avançado de demência. Saí da clínica muito mal, falei pro neurologista que em breve ele teria que receitar alguma coisa pra mim também. "Lúcia, pára com isso", foi só o que ele disse.
Mas desde ontem ela voltou a ser o que ela é atualmente, uma sombra daquela que já foi - mas ainda minha mãe. Perguntou se estava num hospital. Eu disse que não. "É uma casa de repouso?", ela emendou. "Sim", eu disse. Ela perguntou porque estava ali. E eu menti. Disse que ela tinha caído em casa, e estava ali para se recuperar. Me senti mal mentindo, mesmo sabendo que ela não vai lembrar, nem iria sequer entender direito. Fomos e voltamos nesse assunto várias vezes, mas em nenhum momento ela pediu para ir embora.
De sexta para sábado, minha mãe dormiu contida na cama. Amarrada com a famosa bermuda. Para evitar a movimentação noturna e novas quedas. Mas o aumento da medicação fez com que ela dormisse sem acordar. E dormisse durante o dia de ontem também.
Nas duas primeiras noites na clínica ela não dormiu. E causou uma série de transtornos que as atendentes agora estão me contando aos poucos. Minha mãe tem surtos de fúria intensos. Muito intensos. Ao que parece, meu famoso mau gênio não foi apenas herança do pai que não conheci.
Para minha tranquilidade, todas as pessoas que trabalham na clínica parecem muito gentis, pacientes, bondosas. E têm sido boas para mim. Todas me dizem a mesma coisa: "Não se preocupe. Acalme-se. Ela vai ficar bem. Ela vai se acostumar".
E eu? Eu também vou me acostumar. Não há com o que eu não me acostume, o que eu não enfrente e o que eu não faça quando o mundo desaba. Sou resiliente. E, embora eu e minha mãe nunca tenhamos achado que eu fosse grande coisa como filha, tenho feito tudo para mantê-la bem. And so far, so good.
Hoje fui na clínica de novo. Acordei cedo, trabalhei bastante. Só liguei pra clínica perto do meio-dia - uma manobra pra evitar o fim da concentração no trabalho caso as notícias fossem muito ruins. Mas até que não foram. O único problema é que minha mãe havia se recusado a tomar banho de manhã. A cuidadora sugeriu que eu fosse lá mais tarde.
Então fui treinar. Corri 16km, média de 4:55, 1:18:31. Corrida medíocre. Refletiu o excesso de álcool da semana. E o stress. E o afrouxamento da tensão que finalmente estou começando a experimentar. Desde que internei minha mãe voltei a dormir melhor. Eu não estava mais conseguindo dormir além de quatro horas por noite.
Aliás, vontade eu não tive pra nada nos últimos meses. Minha vontade era simplesmente ficar sentada, quieta. O tempo inteiro. Mas não. Todos os dias usei a força de vontade e a disciplina para me manter ativa. Trabalhei. Corri. Fiz aula de dança. Comecei a tratar minha pele. Me mantive alimentada - o que realmente foi um saco, porque eu raramente sinto fome ou vontade de comer. (Hoje ainda não almocei, são 18:00. Vou comer um smoothie depois que terminar esse post. Cetose, pra variar. É que saí da corrida e fui pra clínica direto ver a mãe. Pensei em dar uma passadinha, mas fiquei mais tempo.)
Não foi um sofrimento fazer essas coisas. Pelo contrário. Foi bom. Só que tudo estava sem graça. Tudo opaco, cinzento. Nada me alegrava de verdade. Agora o verão sombrio está se tornando um outono mais luminoso. Estou voltando ao estado natural de felicidade. Minha mente está se pacificando. Internar minha mãe pôs fim a uma agonia. Eu sei que virá outra. Mas não agora já.
Hoje cheguei na clínica e minha mãe ficou bem feliz ao me ver. As atendentes falaram que ela se acalma quando dizem que estou indo lá... Fiquei a seu lado enquanto ela fazia o lanche da tarde (e comigo lá ela comeu tudo, o que parece não estar acontecendo). Depois ficamos sentadinhas ao sol. E fiz a foto acima. Minha mãe estava estável, mas falando sem parar. Nada faz sentido, mas ela tem momentos de interação comigo e com as outras pessoas. Lapsos de interação, na verdade.
Assim que colocar o trabalho em dia, irei pra clínica com um tricô. Aí ficarei mais tempo por lá. Minha mãe não vai lembrar, mas eu vou. E, se no tempo em que fico lá, ela fica mais estável, melhor ainda.
Oi Lúcia,
ResponderExcluirTenho acompanhado a história da sua mãe. Desejo-lhe muita força. Costumo tentar me pôr no seu lugar e imagino (mas não quero) como seria com a minha mãe que ainda é uma mulher que me apoia muiiiito na vida. mas um dia sei que os papéis se inverterão. Só espero que demore muito tempo a chegar esse dia. Um beijo e abraço forte daqui deste lado do Atlântico!
Lénia, desejo de coração que você jamais precise passar pelo que estou passando. É muito, muito difícil. Minha mãe também me apoiou muito sempre, ela ajudou a criar minha filha, foi extremamente presente nos primeiros anos de Lízia. A única coisa que me consola nesse horror todo é que pelo menos estou podendo retribuir.
ExcluirMuito obrigada pelo carinho.
Um grande beijo do lado de cá do Atlântico.